Ciência, Escrita e Códigos Legais Antigos: Os Fundamentos do Saber e da Organização Social

 


Ciência, Escrita e Códigos Legais Antigos: Os Fundamentos do Conhecimento e da Organização Social

Ao longo da Antiguidade, o progresso das civilizações esteve intrinsecamente ligado à emergência de três pilares fundamentais: a ciência, a escrita e os códigos legais. Esses elementos permitiram não apenas o registro e a transmissão de conhecimento, mas também a construção de sistemas sociais mais complexos, baseados na racionalização do mundo físico, na memória escrita e na organização normativa da vida em comunidade.

A Escrita: O Nascimento da Memória Histórica e Administrativa

A invenção da escrita marca um ponto de viragem decisivo na história humana. Ela emerge de forma independente em diferentes regiões – como na Mesopotâmia, no Egito, no Vale do Indo e na China – entre os anos 3500 e 1500 a.C., em resposta a necessidades práticas de administração, comércio e culto religioso.

Na Mesopotâmia , por volta de 3200 aC, surge a escrita cuneiforme , usada inicialmente para registros contábeis em tabuletas de argila. Com o tempo, passou a ser usada para fins literários (como o Poema de Gilgamesh ), jurídicos e científicos.

No Egito Antigo, a escrita hieroglífica (mais simbólica e ligada ao sagrado) foi complementada por sistemas cursivos como o hierático e o demótico, sendo essenciais na administração do império e na elaboração de textos funerários e teológicos.

A escrita permitiu que os conhecimentos acumulados – religiosos, matemáticos, médicos ou astronômicos – fossem registrados, preservados e transmitidos ao longo das gerações. Com isso, nasce a tradição escrita , base das civilizações letradas e do que hoje chamamos de História.

A Ciência na Antiguidade: Observação, Medida e Aplicação Prática

A ciência antiga não se distinguia claramente da religião ou da filosofia, mas já se baseava na observação, na experimentação prática e no registo sistemático. As primeiras expressões científicas centraram-se na astronomia, na matemática, na medicina e na engenharia.

  • Astronomia e Calendários: Civilizações como a mesopotâmica, a egípcia e a maia observaram os astros com grande precisão, desenvolvendo calendários solares e lunares fundamentais para a agricultura e os rituais religiosos. Os babilónios registaram movimentos planetários e eclipses, contribuindo para os fundamentos da astrologia e da astronomia.

  • Matemática: A matemática nasceu da necessidade de calcular áreas, volumes e transações. Os egípcios usavam frações, álgebra rudimentar e técnicas geométricas para construir pirâmides e irrigar campos. Os babilónios criaram um sistema numérico sexagesimal que ainda usamos nos ângulos e no tempo.

  • Medicina: Na Mesopotâmia e no Egito, os médicos usavam plantas, rituais e procedimentos cirúrgicos simples. O Papiro de Ebers (Egito) é um dos primeiros tratados médicos conhecidos, contendo receitas, diagnósticos e observações clínicas.

  • Engenharia e Arquitetura: Grandes obras, como as pirâmides egípcias, os zigurates mesopotâmicos ou os sistemas hidráulicos do Vale do Indo, demonstram avanços técnicos notáveis, baseados em conhecimento empírico e planejamento rigoroso.

A ciência antiga era, portanto, uma ciência utilitária, voltada para resolver problemas concretos da vida em sociedade: medir terrenos, prever cheias, curar doenças, construir monumentos e organizar o tempo.

Códigos Legais Antigos: Ordem, Justiça e Poder

Os códigos legais antigos representaram um passo essencial na institucionalização da justiça e no fortalecimento das estruturas de poder. Ao estabelecer normas escritas e universais, as sociedades puderam organizar a vida coletiva de forma mais previsível e estável.

O exemplo mais emblemático é o Código de Hamurabi (Babilônia, c. 1754 aC), um dos mais antigos conjuntos de leis escritos que chegaram até nós. Gravado em estelas de pedra, o código abarcava áreas como comércio, família, propriedade e crimes, com penas específicas para cada infração, frequentemente baseadas no princípio da retribuição (lex talionis: “olho por olho”).

Outros exemplos relevantes incluem:

  • As Leis de Ur-Nammu (Suméria, c. 2100 aC), que são ainda mais antigas que o Código de Hamurabi e já revelam um senso de justiça social;

  • As Leis das Doze Tábuas (Roma, c. 450 a.C.), que marcam o início do direito romano e da codificação legal pública no Ocidente;

  • Os éditos e mandamentos reais egípcios, que embora menos sistemáticos, regulavam a vida administrativa e os deveres dos cidadãos perante o faraó.

Estes códigos não eram apenas mecanismos de justiça: também legitimavam a autoridade dos governantes, que se apresentavam como mediadores entre os deuses e o povo, responsáveis por manter a ordem (ma'at, no Egito; shulmu, na Mesopotâmia).

Interconexão entre os Três Eixos

A escrita, a ciência e os códigos legais não existiam isoladamente. A escrita era essencial para registrar leis e cálculos científicos; a ciência era aplicada à administração e à engenharia do Estado; e os códigos legais garantiram a ordem necessária para que a sociedade letrada e tecnicamente avançada florescesse.

Por exemplo, a administração de impostos e a contagem de terras exigiam tanto uma escrita precisa quanto conhecimento matemático; a medicina dependia da transmissão escrita do saber empírico acumulado; e as leis escritas protegiam as inovações técnicas e a propriedade.

Legado e Influência Posterior

As contribuições desses sistemas antigos perduram até aos dias de hoje. O conceito de lei escrita, os fundamentos do cálculo, os princípios da engenharia e a prática do registo sistemático são heranças diretas das civilizações antigas. Além disso, a própria ideia de ciência como um corpo acumulado e transmissível de saber nasce com esses primeiros passos.