Valentiniano I (364 – 375) O Último Leão de Roma
O Último Leão de Roma: Valentiniano I e a Última Resistência do Ocidente
Um Império à Beira do Abismo
No século IV, o Império Romano do Ocidente cambaleava sob o peso de invasões bárbaras, crises internas e uma aristocracia cada vez mais distante da realidade do povo. Foi nesse cenário turbulento que surgiu Flávio Valentiniano, um general de origem modesta que, entre 364 e 375 d.C., protagonizou o último grande esforço para manter de pé o que restava da glória romana.
Valentiniano I não foi apenas mais um nome na longa lista de imperadores. Foi, para muitos historiadores, o último verdadeiro defensor do Ocidente romano — um homem de ação, fé e disciplina férrea, que enfrentou inimigos externos e internos com a mesma determinação.
Das Fronteiras da Panônia ao Trono de Roma
Nascido em 321 d.C. em Cibalae, na Panônia (atual Croácia), Valentiniano era filho de Graciano, um oficial militar de origens humildes. Sua educação foi modesta, mas suficiente para levá-lo à carreira das armas — o caminho mais direto para a ascensão social no império tardio.
Serviu sob Constâncio II e Juliano, o Apóstata, e chegou a ser afastado injustamente do exército em 357. No entanto, o destino lhe sorriu novamente quando foi readmitido por Joviano em 363. Um ano depois, com a morte repentina de Joviano, o exército o proclamou imperador em Niceia.
Em um gesto de prudência e estratégia, Valentiniano nomeou seu irmão Valente como co-imperador do Oriente, dividindo o império: ele próprio governaria o Ocidente — Itália, Gália, África e Ilíria — enquanto Valente ficaria com o Oriente.
O Escudo do Ocidente
Valentiniano I foi, acima de tudo, um guerreiro. Sua energia na defesa das fronteiras foi incansável.
- Na Gália (365–366), enfrentou os Alamanos, que haviam devastado a região. Com táticas firmes e disciplina militar, os derrotou e restaurou a ordem.
- Na Bretanha (367–368), reprimiu a chamada “Grande Conspiração”, uma aliança de pictos, saxões e outros povos, com a ajuda do general Teodósio, pai do futuro imperador Teodósio I.
- Na África (373–375), sufocou a revolta de Firmo, um usurpador local que ameaçava a estabilidade da província.
- Na Panônia (374–375), enfrentou os Quados e Jázigos, povos germânicos que cruzaram o Danúbio. Foi durante uma altercação diplomática com os Quados que Valentiniano sofreu um ataque de apoplexia e morreu, em 17 de novembro de 375.
Sua estratégia de defesa incluía a reconstrução de fortificações ao longo do Reno e do Danúbio, o assentamento de povos bárbaros derrotados como colônias militares e o uso astuto da diplomacia para dividir e enfraquecer tribos inimigas.
O Administrador Implacável
Internamente, Valentiniano foi um reformador severo. Reforçou a autoridade imperial, marginalizando a aristocracia senatorial e promovendo homens de mérito — especialmente militares e burocratas — a cargos de prestígio.
- Criou o cargo de defensor do povo, uma espécie de ombudsman romano, para proteger os cidadãos contra abusos administrativos.
- Tentou conter os excessos fiscais, embora tenha elevado impostos para sustentar o exército.
- Fundou escolas de gramática e retórica nas províncias e implementou medidas sanitárias em Roma — um raro exemplo de preocupação com saúde pública na Antiguidade Tardia.
Tolerância em Tempos de Intolerância
Embora cristão niceno, Valentiniano adotou uma política de tolerância religiosa. Diferente de seu irmão Valente, que perseguia os cristãos arianos, Valentiniano permitiu a coexistência de pagãos, hereges e ortodoxos, intervindo apenas quando a ordem pública estava em risco.
Essa postura pragmática o destacou num período em que a religião se tornava cada vez mais um instrumento de poder e divisão.
Legado de Aço
Após sua morte, seus filhos Graciano e Valentiniano II assumiram o trono do Ocidente. Mas nenhum deles herdaria a força de vontade e o pulso firme do pai.
Valentiniano I é lembrado como o último grande imperador do Ocidente. Fundador da dinastia Valentiniana, foi um homem que, mesmo diante do colapso iminente, lutou com todas as forças para manter Roma viva — não como símbolo de glória passada, mas como bastião de ordem, lei e civilização.
Conclusão: O Último Leão de Roma
Valentiniano I não foi um visionário como Constantino, nem um filósofo como Marco Aurélio. Foi um soldado. Um administrador. Um defensor.
Em tempos de decadência, ele foi resistência. Em tempos de caos, ele foi ordem. E em tempos de intolerância, ele foi equilíbrio.
Na longa e dramática história de Roma, Valentiniano I permanece como um dos últimos a carregar, com dignidade e coragem, o peso de um império que já começava a ruir.
Por Albino Monteiro