Valente (364 – 378, coimperador no Oriente) O Imperador que Caiu com o Império
O Imperador que Caiu com o Império: Valente e a Tempestade de Adrianópolis
Um Império Dividido, Um Trono em Crise
No turbilhão do século IV, o Império Romano já não era a máquina invencível que dominara o mundo conhecido. Dividido entre Oriente e Ocidente para melhor resistir às ameaças externas, o império buscava estabilidade em meio ao caos. Foi nesse cenário que surgiu Flavius Julius Valens — ou simplesmente Valente — um nome que a história associaria para sempre à tragédia de Adrianópolis.
Nomeado coimperador em 364 por seu irmão Valentiniano I, Valente assumiu o controle do Oriente com a missão de manter a ordem e proteger as fronteiras. Mas o que encontrou foi um império à beira da combustão: pressões militares, disputas religiosas e uma administração corroída por intrigas.
Ascensão e Primeiras Provações
Valente foi proclamado Augusto em 28 de março de 364, mas sua autoridade foi desafiada quase de imediato. A revolta de Procopius, um parente do antigo imperador Juliano, ameaçou sua legitimidade entre 365 e 366. Valente venceu, mas a vitória não trouxe paz. O império que herdara era uma panela de pressão prestes a explodir.
A Guerra da Fé: Arianismo vs. Ortodoxia
Se no campo militar Valente enfrentava inimigos visíveis, no campo religioso o conflito era mais sutil — e igualmente destrutivo. Aderente ao arianismo, doutrina cristã condenada pelo Concílio de Niceia, Valente perseguiu bispos nicenos e favoreceu o clero ariano. O resultado? Uma cisão profunda entre o Estado e a maioria da população cristã ortodoxa.
Essa política religiosa não apenas minou a coesão interna do império, como também enfraqueceu a autoridade imperial diante de uma sociedade cada vez mais dividida entre fé e poder.
Fronteiras em Ebulição: Persas e Godos
No leste, Valente enfrentou os persas sassânidas em campanhas na Armênia e Mesopotâmia. Apesar dos esforços, a guerra terminou sem grandes vitórias, selada por um tratado de paz em 371. Mas o verdadeiro teste viria do norte.
Em 376, os godos — pressionados pela fúria dos hunos — pediram asilo ao Império Romano. Valente, talvez buscando reforçar suas fileiras, permitiu sua entrada. Foi um erro fatal. A má administração da acolhida e os abusos cometidos por oficiais romanos transformaram refugiados em rebeldes.
Adrianópolis: O Dia em que Roma Sangrou
Em 9 de agosto de 378, perto da atual Edirne, na Turquia, Valente decidiu enfrentar os godos sem esperar os reforços do Ocidente. O resultado foi um desastre militar de proporções épicas. Dois terços do exército romano foram mortos. O próprio imperador desapareceu em combate — acredita-se que tenha morrido queimado em uma casa onde buscava refúgio.
A Batalha de Adrianópolis não foi apenas uma derrota. Foi um abalo sísmico. Pela primeira vez, os romanos perceberam que seu exército não era invencível. A lenda da superioridade romana ruía diante da realidade bárbara.
O Legado de um Imperador Trágico
Valente não foi um tirano nem um incompetente absoluto. Foi, antes, um administrador esforçado, mas mal preparado para os desafios colossais de seu tempo. Sua morte em Adrianópolis tornou-se símbolo da vulnerabilidade romana diante das migrações bárbaras — um prenúncio da queda que viria a assolar o Ocidente décadas depois.
Epílogo: O Fim de uma Era
O reinado de Valente marca uma encruzilhada na história romana. Entre a fé dividida, as fronteiras em chamas e a arrogância estratégica, seu governo foi um espelho das fragilidades de um império que já não sabia como se manter de pé. Adrianópolis não foi apenas o fim de um imperador — foi o início do fim de Roma como o mundo a conhecia.
E assim, Valente entrou para a história não como o salvador do Oriente, mas como o imperador que caiu com ele.
Por Albino Monteiro