O Antigo Egito no Terceiro Período Intermediário (c. 1069-664 a.C.): Declínio, Fragmentação e Domínios Estrangeiros

 


O Antigo Egito no Terceiro Período Intermediário (c. 1069-664 a.C.): Declínio, Fragmentação e Domínios Estrangeiros

O Terceiro Período Intermediário do Antigo Egito, abrangendo aproximadamente de 1069 a 664 a.C., representa uma fase complexa e muitas vezes tumultuada na longa história da civilização egípcia. Caracterizado por um declínio gradual do poder central, fragmentação política e a ascensão de domínios estrangeiros, este período contrasta marcadamente com a estabilidade e a glória dos impérios anteriores. Compreender as dinâmicas que levaram a essa desintegração é crucial para apreciar a resiliência egípcia e as transformações que moldaram seus últimos séculos de independência.

O Colapso da Autoridade Central e a Fragmentação Interna

O início do Terceiro Período Intermediário marca o fim do Novo Império, um período de grande prosperidade e expansão territorial. O poder dos faraós, que antes era incontestável, começou a diminuir significativamente. Vários fatores contribuíram para esse declínio. Economicamente, o fluxo de riquezas proveniente dos impérios asiáticos diminuiu, e as constantes campanhas militares esgotaram os recursos do estado. Internamente, a crescente influência dos Grandes Sacerdotes de Amon em Carnaque tornou-se um desafio direto à autoridade faraônica. Em Tebas, a capital religiosa, os sacerdotes acumularam vastas terras e riquezas, formando um poder paralelo que muitas vezes rivalizava com o governo central no Baixo Egito.

Essa divisão de poder levou a uma fragmentação política. O Egito deixou de ser uma entidade unificada sob um único governante forte. Em vez disso, surgiram diversas dinastias locais, cada uma com controle sobre uma região específica. As Dinastias Tanita (XXI e XXII) governaram o Baixo Egito a partir de Tanis, enquanto os sumos sacerdotes de Amon mantiveram seu domínio em Tebas e no Alto Egito. Essa coexistência de poderes, por vezes cooperativa, mas muitas vezes competitiva, gerou instabilidade e dificultou a resposta unificada a ameaças externas ou crises internas. A descentralização do poder resultou em uma perda de controle sobre as fronteiras, tornando o Egito mais vulnerável a incursões.

A Ascensão de Domínios Estrangeiros: Núbios e Assírios

A fraqueza interna do Egito no Terceiro Período Intermediário criou uma oportunidade para o surgimento de poderes estrangeiros que buscavam estender sua influência sobre a rica e estratégica terra do Nilo.

A Dominação Núbia (Dinastia XXV - Cuxita)

Um dos desenvolvimentos mais notáveis deste período foi a ascensão do Reino de Cuxe (Núbia) ao sul do Egito. Historicamente, os egípcios haviam exercido grande influência sobre a Núbia, mas com o enfraquecimento do poder faraônico, Cuxe desenvolveu-se como um reino independente e poderoso. Por volta do século VIII a.C., os reis cuxitas, impulsionados por uma profunda reverência à cultura egípcia e aos seus deuses, iniciaram uma campanha para unificar o Egito sob seu domínio.

O rei Piankhy (ou Piye) liderou a conquista mais significativa, derrotando os diversos governantes locais e estabelecendo a Dinastia XXV, conhecida como a Dinastia Cuxita ou Etíope. Esses faraós núbios governaram o Egito por quase um século, restaurando alguns dos antigos esplendores, construindo templos e promovendo um renascimento artístico e religioso que ecoava os períodos gloriosos do passado. Apesar de serem estrangeiros, os cuxitas se viam como os verdadeiros guardiões das tradições egípcias e buscaram restaurar a ordem e a unidade.

As Invasões Assírias e o Fim da Independência

A ascensão do Império Neoassírio, uma potência militar em expansão no Oriente Próximo, representou uma ameaça inevitável ao Egito, independentemente de quem o governasse. Com um exército formidável e uma política de expansão agressiva, os assírios viam o Egito como um prêmio valioso e um ponto estratégico em sua busca por dominar a região.

As primeiras incursões assírias no Egito ocorreram no século VII a.C. O rei assírio Esarhaddon liderou campanhas que resultaram na conquista de Mênfis e na expulsão do faraó núbio Taharqa. Embora os núbios tenham tentado retomar o controle do Egito, as investidas assírias, especialmente sob o reinado de Assurbanípal, foram implacáveis. Em meados do século VII a.C., Tebas foi saqueada pelos assírios, um evento traumático que marcou profundamente a consciência egípcia e simbolizou a derrota frente a uma potência estrangeira.

A dominação assíria, embora muitas vezes brutal e focada na extração de tributos, não durou muito. A longa distância e as rebeliões constantes tornaram o controle direto difícil para os assírios, que acabariam por se retirar para se concentrar em outras partes de seu vasto império. No entanto, as invasões assírias deixaram o Egito em um estado de exaustão e desorganização, preparando o terreno para o surgimento da Dinastia Saíta e um breve período de renascimento, antes de novas conquistas estrangeiras.

Legado e Conclusão

O Terceiro Período Intermediário foi um tempo de profundas mudanças para o Antigo Egito. O declínio gradual do poder central levou à fragmentação política, com múltiplas dinastias e centros de poder coexistindo. Essa instabilidade interna, por sua vez, abriu as portas para o domínio estrangeiro, primeiro pelos cuxitas da Núbia, que ironicamente buscaram restaurar as glórias egípcias, e depois pelos poderosos assírios, que infligiram derrotas devastadoras.

Apesar dos desafios, a cultura egípcia demonstrou uma notável resiliência. Embora o poder político central estivesse enfraquecido, as tradições religiosas, artísticas e sociais continuaram a prosperar em nível local. A complexidade deste período serve como um lembrete de que mesmo civilizações milenares experimentam ciclos de ascensão e queda, e que a história é um tecido de interações dinâmicas entre forças internas e externas. O Terceiro Período Intermediário, com seus episódios de fragmentação e dominação estrangeira, é um testemunho da tenacidade da identidade egípcia diante da adversidade, preparando o terreno para os últimos capítulos de sua história como um império independente.