Nero (54 – 68 d.C.) Entre a Lira e o Caos
Nero: Entre a Lira e o Caos
Quando pensamos em imperadores romanos, poucos nomes evocam imagens tão intensas quanto o de Nero. Cruel ou carismático? Tirano ou artista? A verdade, como quase sempre na história, está em algum lugar entre os extremos. Nero Cláudio César Augusto Germânico, que governou Roma entre 54 e 68 d.C., é um dos personagens mais controversos da Antiguidade — e talvez, por isso mesmo, um dos mais fascinantes.
O Adolescente que se Tornou César
Nascido Lúcio Domício Enobarbo em 37 d.C., Nero era filho de Agripina Menor, descendente direta de Augusto. Sua ascensão ao trono foi cuidadosamente orquestrada por sua mãe, que o fez ser adotado pelo imperador Cláudio. Quando Cláudio morreu — em circunstâncias suspeitas, diga-se — Nero assumiu o trono com apenas 16 anos.
Nos primeiros anos, Roma parecia estar em boas mãos. Guiado por sua mãe, pelo filósofo Sêneca e pelo prefeito Burro, Nero reduziu impostos, respeitou o Senado e investiu nas artes. O jovem imperador era popular, especialmente entre o povo, que o via como um novo tipo de líder: culto, acessível e apaixonado por espetáculos públicos.
Tragédias Palacianas
Mas o equilíbrio não duraria. A relação com Agripina azedou rapidamente. Ambiciosa e controladora, ela tentou manter influência sobre o filho — até que, em 59 d.C., Nero ordenou sua morte. O gesto marcou o início de uma série de eventos sombrios: o envenenamento do meio-irmão Britânico, a morte trágica de Popeia Sabina (sua segunda esposa, grávida), e até o casamento simbólico com o liberto Esporo, que Nero teria obrigado a viver como mulher.
Roma em Chamas
O episódio mais infame de seu reinado ocorreu em 64 d.C., quando um incêndio devastou Roma por seis dias. Dez dos quatorze distritos foram destruídos. A lenda — alimentada por autores como Suetônio — diz que Nero tocava lira enquanto a cidade ardia. Embora provavelmente apócrifa, a imagem ficou gravada na memória coletiva.
O que se sabe é que Nero aproveitou a tragédia para reconstruir Roma com novos padrões urbanísticos e erguer sua luxuosa Domus Aurea. Mas também usou os cristãos como bodes expiatórios, iniciando uma das primeiras grandes perseguições religiosas do Império.
Conspirações e Queda
A partir de 65 d.C., o império mergulhou em instabilidade. A conspiração de Pisão revelou o descontentamento das elites, e a repressão foi brutal: execuções em massa, incluindo a de Sêneca. O apoio popular começou a ruir diante de impostos crescentes e extravagâncias imperiais.
Revoltas eclodiram nas províncias. Quando o Senado o declarou inimigo público, Nero fugiu. Sem aliados, cometeu suicídio em 68 d.C., aos 30 anos, encerrando a dinastia júlio-claudiana com as palavras: “Qual artista morre comigo!”
O Julgamento da História
A imagem de Nero foi moldada por seus inimigos. As principais fontes — Tácito, Suetônio, Dião Cássio — eram senadores, críticos ferozes do imperador. Mas há nuances. Entre o povo, Nero era lembrado como um patrono das artes e da cultura. Sua paixão por música, teatro e arquitetura deixou marcas duradouras.
Hoje, historiadores tentam separar mito e realidade. Nero foi, sem dúvida, um governante complexo: visionário e vaidoso, generoso e cruel, amado e odiado. Um reflexo, talvez, das contradições eternas do poder.