Júlio Nepos (474 – 475, reconhecido até 480)

 



Júlio Nepos: O Último Imperador Romano do Ocidente (474 – 475, reconhecido até 480)

A figura de Júlio Nepos é frequentemente relegada às notas de rodapé da história romana, ofuscada por nomes mais grandiosos e eventos mais dramáticos. Contudo, para compreender plenamente o colapso do Império Romano do Ocidente, é imperativo examinar o breve e tumultuado reinado deste imperador, que, apesar de sua curta permanência no poder em Roma, simboliza os últimos espasmos de uma era agonizante. Seu governo, embora efêmero, é um microcosmo das complexas forças políticas, militares e sociais que levaram ao fim de um dos maiores impérios da história.

Ascensão ao Trono em Meio ao Caos

Júlio Nepos ascendeu ao trono em 474, num cenário de profunda instabilidade e fragmentação. O Império Romano do Ocidente já era uma sombra de seu antigo esplendor, com grande parte de suas províncias controladas por reinos bárbaros. A autoridade imperial era frequentemente contestada, e os imperadores eram marionetes nas mãos de poderosos generais ou chefes militares bárbaros. Seu antecessor, Glicério, havia sido proclamado imperador pelo mestre dos soldados Gundobado, mas não foi reconhecido pelo Império Romano do Oriente.

Nepos, um nobre de origem dálmata e sobrinho da imperatriz Verina (esposa do imperador Leão I do Oriente), foi a escolha do Imperador do Oriente, Zenão, para depor Glicério e restaurar a legitimidade imperial no Ocidente. Essa intervenção oriental demonstrava a crescente disparidade de poder entre as duas metades do império e a percepção de que o Ocidente era incapaz de se governar de forma autônoma. Em junho de 474, Nepos desembarcou em Ravenna com apoio militar oriental, forçando Glicério a abdicar e a se tornar bispo de Salona. A facilidade com que Nepos tomou o poder evidencia a fragilidade do governo de Glicério e a falta de apoio substancial que ele desfrutava.

O Breve Reinado em Roma e a Política de Apaziguamento

Uma vez no poder, Júlio Nepos tentou estabilizar a situação precária do império. Uma de suas primeiras e mais significativas ações foi buscar um acordo com os Visigodos, que controlavam grande parte da Gália e da Hispânia. Em 475, ele assinou um tratado com Eurico, o rei visigodo, em que cedeu formalmente a maior parte das conquistas visigóticas na Gália, em troca do reconhecimento da soberania romana sobre uma pequena faixa de território na Gália e o retorno da Provença. Embora essa concessão possa parecer uma derrota para Roma, era, na realidade, uma tentativa pragmática de preservar o que restava do império ocidental e de evitar uma guerra total que Roma não tinha condições de vencer. Essa política de apaziguamento, embora impopular para alguns, era uma necessidade ditada pela realidade geopolítica da época.

Além das questões externas, Nepos também enfrentou desafios internos. A elite romana estava dividida e havia pouca coesão entre as facções. A economia estava em frangalhos e a arrecadação de impostos era cada vez mais difícil, limitando a capacidade do imperador de manter um exército eficaz. A lealdade das tropas, muitas vezes compostas por mercenários bárbaros, era incerta e dependia frequentemente do pagamento regular.

A Traição e a Fuga para a Dalmácia

O reinado de Júlio Nepos em Roma foi abruptamente encerrado em 28 de agosto de 475, por uma traição vinda de seu próprio general e mestre dos soldados, Flávio Orestes. Orestes, um romano de origem germânica, que havia servido Átila, o Huno, se revoltou e marchou sobre Ravenna. Incapaz de oferecer resistência eficaz e com pouco apoio dentro de Roma, Nepos fugiu para a Dalmácia, sua terra natal, onde continuou a ser reconhecido como imperador legítimo pelo Império Romano do Oriente.

A ascensão de Orestes ao poder marca um ponto de inflexão. Em vez de assumir o trono para si, Orestes instalou seu jovem filho, Rômulo Augusto, como imperador. Essa decisão é frequentemente interpretada como um sinal da perda de poder do título imperial em si, bem como da crescente influência dos generais bárbaros que efetivamente controlavam o que restava do império. Rômulo Augusto, o "Pequeno Augusto", é muitas vezes considerado o último imperador romano do Ocidente de jure, embora seu reinado tenha sido uma mera formalidade.

O Imperador no Exílio e o Fim de Uma Era

Mesmo no exílio na Dalmácia, Júlio Nepos manteve o reconhecimento do Império Romano do Oriente até sua morte em 480. Ele continuou a ser a última figura imperial a representar a legitimidade romana no Ocidente para Constantinopla. Essa situação criou uma dualidade peculiar: enquanto Rômulo Augusto era o imperador de facto em Roma, Nepos era o imperador de jure para o Oriente e para uma parte da elite romana que ainda ansiava por um retorno à ordem.

A morte de Nepos em 480, provavelmente assassinado por seus próprios soldados, por instigação de Glicério (que havia sido bispo de Salona), pôs fim a essa ambiguidade. Sua morte marcou, para muitos historiadores, o fim simbólico do Império Romano do Ocidente, mesmo que Rômulo Augusto já tivesse sido deposto por Odoacro em 476. Odoacro, um chefe bárbaro, não instalou um novo imperador, mas enviou as insígnias imperiais para Constantinopla, declarando que não havia necessidade de um imperador no Ocidente.

Legado e Significado

Júlio Nepos, apesar de seu breve e desafortunado reinado, é uma figura crucial para entender o declínio final do Império Romano do Ocidente. Ele representa a última tentativa de restaurar a legitimidade e a ordem em um império à beira do colapso. Sua política de apaziguamento com os bárbaros, embora impopular, reflete a dura realidade de um poder romano em declínio que não podia mais impor sua vontade pela força.

Seu exílio e a continuação de seu reconhecimento pelo Oriente destacam a complexa dinâmica de poder e legitimidade que operava nos últimos anos do império. A história de Júlio Nepos não é a de um grande conquistador ou de um governante visionário, mas sim a de um homem que tentou, em circunstâncias desesperadoras, manter unida uma entidade política que já estava irremediavelmente fragmentada. Sua vida e seu reinado são um lembrete vívido de que o fim do Império Romano não foi um evento singular e dramático, mas sim um processo prolongado e complexo, marcado por figuras como Júlio Nepos, que lutaram até o fim para preservar um legado que já se desvanecia.