Juliano, o Apóstata (361 – 363) O Último Suspiro dos Deuses Antigos

 


Juliano, o Apóstata: O Último Suspiro dos Deuses Antigos

No crepúsculo do Império Romano, quando os deuses antigos já pareciam sombras de um passado glorioso e o cristianismo se erguia como força dominante, um homem ousou remar contra a maré da história. Flávio Cláudio Juliano, mais conhecido como Juliano, o Apóstata, reinou por apenas dois anos (361–363 d.C.), mas sua figura permanece como um dos personagens mais intrigantes e controversos do Baixo Império. Educado na filosofia grega, moldado pela tragédia familiar e movido por uma visão quase quixotesca de restaurar o paganismo, Juliano foi o último imperador a tentar reacender a chama dos deuses olímpicos.

Um Império em Transição

O século IV foi um tempo de profundas transformações. Desde o Édito de Milão, em 313, o cristianismo deixara de ser perseguido para tornar-se, gradualmente, a religião dominante. O Império Romano, por sua vez, enfrentava desafios por todos os lados: invasões bárbaras, crises econômicas, disputas internas e uma crescente tensão entre tradição e renovação espiritual.

É nesse cenário que surge Juliano, nascido em Constantinopla em 331, sobrinho de Constantino, o Grande. Após o massacre de seus familiares por ordem de Constâncio II, Juliano foi criado em reclusão, longe dos jogos de poder, mas imerso nos clássicos da filosofia grega. Ali, entre os textos de Platão, Plotino e Jâmblico, formou-se o espírito que mais tarde tentaria reverter o curso da história.

O General Filósofo

Em 355, Constâncio II nomeou Juliano como César e o enviou à Gália, onde o jovem surpreendeu a todos com sua habilidade militar. Suas vitórias contra os alamanos não apenas garantiram a estabilidade da região, como também lhe renderam prestígio entre as tropas. Quando Constâncio morreu em 361, Juliano tornou-se imperador único — e iniciou sua cruzada espiritual.

A Cruzada Pagã

Batizado cristão, Juliano rompeu com a fé dominante e buscou restaurar o paganismo helênico. Reabriu templos, incentivou sacrifícios, promoveu o culto aos deuses antigos e proibiu cristãos de ensinarem literatura clássica — uma tentativa de cortar o elo entre a nova fé e a herança cultural greco-romana.

Mais do que um retorno ao passado, Juliano via no paganismo uma forma de restaurar a moralidade, a virtude cívica e a identidade romana. Escreveu tratados filosóficos e sátiras contra o cristianismo, como o polêmico (e hoje perdido) Contra os Galileus. Para ele, a fé cristã era uma ruptura com a razão e com a ordem natural do cosmos.

Reformador e Idealista

Juliano não foi apenas um cruzado religioso. Reformou a administração imperial, cortou gastos da corte e tentou moralizar a vida pública. Incentivou a educação clássica e a filosofia como pilares de uma sociedade virtuosa. Seu governo, embora breve, foi marcado por uma tentativa de conciliar poder político com princípios filosóficos — algo raro na história imperial romana.

A Última Batalha

Em 363, Juliano lançou uma ousada campanha militar contra o Império Sassânida. Às portas de Ctesifonte, capital persa, foi mortalmente ferido em circunstâncias misteriosas. Alguns relatos sugerem que teria sido assassinado por um soldado cristão — uma ironia trágica para quem tentou apagar a cruz do império.

Um Legado de Contradições

Juliano é lembrado como o último imperador pagão de Roma. Seu fracasso em restaurar os antigos cultos selou o destino do paganismo, mas sua figura continuou a inspirar filósofos, escritores e historiadores. Amiano Marcelino, seu contemporâneo, o descreveu como um governante justo, culto e austero — embora suas políticas religiosas tenham dividido profundamente a sociedade.

Para alguns, Juliano foi um mártir da razão e da tradição; para outros, um obstáculo ao progresso espiritual do império. Mas todos concordam: ele foi um imperador como poucos.

Epílogo: Entre Dois Mundos

Juliano, o Apóstata, encarna o drama de um império em transição. Sua vida foi uma encruzilhada entre fé e razão, entre o mundo antigo e o novo. Sua morte marcou o fim de uma era — mas também o início de um debate que atravessaria os séculos: o lugar da religião, da filosofia e da tradição na construção da civilização.

Em tempos de mudanças rápidas e conflitos ideológicos, a história de Juliano ressoa com força renovada. Afinal, como ele próprio escreveu: “A verdade não precisa de multidões para ser verdadeira.”

Por Albino Monteiro