Glicério (473 – 474)

 

Glicério: Um Imperador Efêmero no Crepúsculo do Império Romano do Ocidente (473-474)

A figura do imperador Glicério, que ascendeu ao trono do Império Romano do Ocidente em 473 d.C. e foi deposto menos de um ano depois, em 474 d.C., oferece um estudo de caso fascinante sobre a rápida desintegração do poder imperial na parte ocidental do Império. Sua breve gestão ocorreu em um período de intensa turbulência política, marcado pela crescente influência dos generais germânicos e pela constante ameaça de invasões bárbaras. Longe de ser um imperador poderoso e influente, Glicério representou, em muitos aspectos, o último suspiro de uma instituição moribunda, revelando a fragilidade e a impotência do Império Romano do Ocidente em seus anos finais.

Ascensão ao Trono: A Sombra de Gundobado

A ascensão de Glicério ao trono imperial é um reflexo direto do crescente poder e influência de Gundobado, o magister militum e sobrinho do poderoso rei dos Burgúndios, Ricímero. Após a morte do imperador Olíbrio em novembro de 472 d.C., e com o trono vago por vários meses, Gundobado, agindo como o verdadeiro poder por trás do trono, elevou Glicério, que era o comes domesticorum (comandante da guarda imperial), à dignidade imperial em 3 de março de 473 d.C. em Ravena. Essa nomeação, longe de ser um ato de escolha imperial ou senatorial, demonstrava a subordinação do trono ocidental aos caprichos dos generais germânicos, que cada vez mais manipulavam a sucessão imperial para seus próprios interesses. Glicério, um homem de origem humilde e sem grande experiência política ou militar, era, portanto, uma figura-fantoche, convenientemente colocado no poder por Gundobado para servir aos seus próprios propósitos.

O Breve Reinado: Desafios e Impotência

O reinado de Glicério foi marcado por uma série de desafios que ele, em sua posição precária, foi incapaz de superar. A ameaça mais imediata e premente era a dos Visigodos, que sob o comando de seu rei Eurico, expandiam agressivamente seu território na Gália e na Hispânia, desconsiderando as fronteiras romanas. A falta de recursos militares e a escassez de tropas leais tornaram Glicério incapaz de montar uma resistência eficaz. Fontes contemporâneas, como o cronista Jordanes, registram que Glicério tentou negociar com Eurico, oferecendo subsídios e concessões territoriais na esperança de conter o avanço visigodo, mas essas tentativas foram em grande parte infrutíferas. A incapacidade de Glicério de defender as fronteiras romanas apenas acentuou a percepção de sua impotência e a fraqueza intrínseca do Império.

Além da pressão externa, Glicério enfrentou a completa falta de reconhecimento por parte do Império Romano do Oriente. O imperador oriental Leão I, o Trácio, considerava Glicério um usurpador, uma vez que sua ascensão não havia sido sancionada por Constantinopla. Leão, em vez de reconhecer Glicério, designou seu próprio candidato ao trono ocidental: Júlio Nepos, o magister militum da Dalmácia e seu próprio sobrinho por casamento. Essa falta de reconhecimento de Constantinopla isolou Glicério diplomaticamente e o privou de qualquer possível apoio militar ou financeiro do Império Oriental, selando, em grande parte, seu destino.

A Queda: A Chegada de Júlio Nepos

A deposição de Glicério foi um evento quase inevitável, dado o seu precário apoio e a determinação de Leão I em substituí-lo. No final de 473 d.C. ou início de 474 d.C., Júlio Nepos, com o apoio do Império Oriental, zarpou da Dalmácia com uma frota e um exército. Em vez de montar uma defesa, Glicério, percebendo a futilidade da resistência, rendeu-se a Nepos sem um combate significativo. A capitulação de Glicério, que ocorreu em Ravena, é outro testemunho de sua falta de poder e da desilusão geral com o Império.

Júlio Nepos, demonstrando uma clemência incomum para a época, poupou a vida de Glicério. Em vez de executá-lo, ele o nomeou Bispo de Salona (atual Solin, na Croácia), a mesma cidade onde Júlio Nepos seria mais tarde assassinado. Esse ato pode ser interpretado como uma tentativa de Nepos de consolidar sua própria autoridade sem derramamento de sangue desnecessário, ou talvez como um reconhecimento da impotência fundamental de Glicério, que não representava uma ameaça real. A transformação de um imperador em bispo é um evento singular na história romana, sublinhando a natureza anômala e a decadência do poder imperial.

O Legado de Glicério: Um Marcador da Decadência Final

O breve reinado de Glicério, apesar de sua insignificância aparente, oferece uma lente através da qual podemos examinar a decadência avançada do Império Romano do Ocidente. Sua ascensão, ditada por um general germânico, e sua queda, orquestrada pelo Império Oriental, ilustram a completa perda de soberania e autonomia do trono ocidental. Glicério não governou; ele foi governado. Sua incapacidade de conter as invasões bárbaras ou de garantir o reconhecimento de Constantinopla evidencia a profunda crise militar, política e diplomática que assolava o Império.

Glicério foi um dos últimos imperadores que antecederam a queda definitiva de Roma em 476 d.C., quando Odoacro depôs Rômulo Augusto. Sua figura serve como um presságio do fim iminente. Ele não foi um líder carismático ou um reformador audacioso; em vez disso, foi um reflexo pálido de um poder que se desvanecia, um símbolo da impotência imperial em um mundo em rápida transformação. A história de Glicério, embora concisa, é um lembrete vívido de que, no final do século V, o Império Romano do Ocidente já estava em seu leito de morte, com seus últimos imperadores servindo meramente como peões em um jogo de poder dominado por forças externas.