Erwin Rommel: A Raposa do Deserto

 

Erwin Rommel: A Raposa do Deserto – Um Gênio Tático em Tempos Sombrios

Erwin Rommel, o lendário "Raposa do Deserto" (Wüstenfuchs), emerge das páginas da história como um dos mais fascinantes e controversos estrategistas da Segunda Guerra Mundial. Sua lenda foi forjada sob o sol escaldante do Norte da África, onde suas manobras audaciosas e sua liderança carismática hipnotizaram tanto aliados quanto adversários. Contudo, sua trajetória, que o levaria a um papel crucial na defesa da Europa contra a Operação Overlord, culminaria em um desfecho trágico, lançando uma sombra complexa sobre um legado inegável.

Do Soldado Raspa ao Estratega Premiado: A Forja de um Líder

Nascido em 1891, Rommel revelou uma vocação militar precoce, ingressando no exército alemão em 1910. Não demorou para que sua perspicácia tática e sua bravura o distinguissem. A Grande Guerra, com suas trincheiras e o horror de batalhas como Verdun, foi o seu grande laboratório. Ali, na linha da frente, liderando pequenas unidades e tomando iniciativas sob fogo intenso, Rommel amealhou condecorações, incluindo a cobiçada Pour le Mérite. Essas experiências moldaram sua filosofia militar: velocidade, surpresa e comando descentralizado – princípios que se tornariam a assinatura de suas campanhas futuras.

A Ascensão de um Teórico: "Infanterie Greift An" e o Olhar de Hitler

No período entre guerras, Rommel mergulhou no estudo da guerra de movimento. Em 1937, lançou a obra que cimentaria sua reputação como teórico militar: Infanterie Greift An (Infantaria Ataca). Este livro, um manual essencial para oficiais, detalhava suas táticas de infantaria e antecipava os conceitos da Blitzkrieg. Curiosamente, foi essa publicação que chamou a atenção de Adolf Hitler, que, impressionado com a visão de Rommel, o nomeou para comandar seu quartel-general pessoal durante a invasão da Polônia em 1939. Essa proximidade com o alto escalão nazista, embora catapultando sua carreira, levantaria, postumamente, questões sobre seu envolvimento e conhecimento dos crimes do regime.

O Balé dos Panzers: A Campanha Francesa de 1940

O palco principal para a exibição das habilidades de Rommel como comandante de blindados seria a Campanha Francesa em 1940. No comando da 7ª Divisão Panzer, ele orquestrou uma demonstração magistral da Blitzkrieg. A agressividade e a velocidade com que Rommel conduziu suas tropas pegaram os Aliados de surpresa. Sua divisão, carinhosamente apelidada de "Divisão Fantasma" devido à sua capacidade de surgir onde menos se esperava, penetrou profundamente em território inimigo, contornando defesas e semeando o caos nas linhas aliadas. Esta campanha não só consolidou a reputação de Rommel como um brilhante comandante de tanques, mas também revelou o potencial devastador da guerra mecanizada quando empregada com ousadia.

As Areias da Glória: A Raposa do Deserto no Norte da África

Em 1941, Rommel foi enviado ao Norte da África para liderar o Afrika Korps, uma força expedicionária alemã em apoio aos italianos contra os britânicos. Foi neste cenário inóspito que ele ganhou o apelido que o imortalizaria: "A Raposa do Deserto". Mesmo em desvantagem numérica e logística, Rommel orquestrou uma série de campanhas geniais que frustraram repetidamente os planos Aliados.

Sua genialidade tática residia em:

  • Velocidade e Surpresa: Utilizava a agilidade de seus panzers para flanquear o inimigo e atacar de direções inesperadas.

  • Engano: Empregava táticas de distração, como a criação de "divisões fantasmas" com veículos falsos e o movimento constante de suas forças para simular um número maior.

  • Uso Inteligente do Terreno: Explorava o deserto a seu favor, usando dunas e depressões para ocultar suas forças e lançar ataques surpresa.

  • Liderança na Linha de Frente: Rommel era conhecido por sua presença constante no campo de batalha, inspirando seus homens e tomando decisões rápidas com base em informações em tempo real.

Batalhas como a de Gazala e a Primeira Batalha de El Alamein foram testemunhos de sua maestria. No entanto, a longa linha de suprimentos, a superioridade aérea e numérica dos Aliados, e as crescentes dificuldades logísticas acabariam por desgastar o Afrika Korps. A decisiva Segunda Batalha de El Alamein, em outubro de 1942, marcou um ponto de virada, forçando Rommel a uma longa e custosa retirada. A chegada das forças anglo-americanas na Operação Tocha em novembro de 1942 selou o destino das forças do Eixo no Norte da África.

O Fim de um Mito: Operação Overlord e o 20 de Julho

Após a derrota no Norte da África, Rommel foi incumbido de inspecionar as defesas do Muro do Atlântico na França, antecipando a invasão Aliada. Incansável, dedicou-se a fortificar as praias e a criar obstáculos para as tropas invasoras. Sua convicção era clara: a invasão deveria ser combatida na linha d'água, antes que os Aliados pudessem estabelecer uma cabeça de ponte.

No entanto, suas ideias colidiam com as de outros comandantes alemães, como Gerd von Rundstedt, que preferia manter as reservas de blindados recuadas para um contra-ataque decisivo. A Operação Overlord, o desembarque Aliado na Normandia em 6 de junho de 1944, pegou as defesas alemãs de surpresa. A ausência de Rommel (que estava na Alemanha visitando a família) e a confusão no comando dificultaram a resposta alemã.

Paralelamente, Rommel começou a se associar, ainda que relutantemente, com a resistência alemã que planejava depor Hitler. Embora não fosse um conspirador ativo no atentado de 20 de julho de 1944 contra Hitler, seu nome surgiu durante as investigações subsequentes. Confrontado com a escolha entre ser julgado publicamente, com a consequente ruína de sua família e reputação, ou cometer suicídio para protegê-los, Rommel optou pela segunda via. Ele tirou a própria vida em 14 de outubro de 1944, e sua morte foi inicialmente anunciada como resultado de ferimentos de guerra.

Legado e Controvérsia: A Raposa e as Sombras do Nazismo

Erwin Rommel é reverenciado como um dos maiores gênios táticos da história militar, cujas campanhas no Norte da África ainda são estudadas em academias militares em todo o mundo. Sua capacidade de improvisação, sua liderança inspiradora e seu respeito pelos prisioneiros de guerra (foi um dos poucos generais alemães a não ser acusado de crimes de guerra) contribuíram para sua imagem lendária.

No entanto, seu legado não está isento de controvérsias. A proximidade com Hitler no início de sua carreira e o fato de ter servido ao regime nazista levantam questões sobre sua cumplicidade, mesmo que indireta, com as atrocidades cometidas. Embora não fosse ideologicamente alinhado ao nazismo, sua devoção ao dever e à Alemanha o levou a lutar vigorosamente por um regime criminoso.

Apesar das complexidades morais de sua época, Erwin Rommel permanece uma figura fascinante na história militar. Um homem cujas habilidades no campo de batalha eram inegáveis, mas cuja vida e escolhas estiveram inextricavelmente ligadas a um dos períodos mais sombrios da história humana. Sua história é um lembrete vívido da intersecção entre gênio militar, ambição pessoal e as pressões éticas que a guerra impõe.


Por Albino Monteiro