Domiciano (81–96 d.C.) O Crepúsculo de um Tirano
O Crepúsculo de um Tirano: A Sombria Herança de Domiciano
Roma, 1º de julho de 2025 – A história, muitas vezes, é contada pelos vencedores, mas há figuras que, apesar de todo o poder, permanecem para sempre marcadas pela tinta da impopularidade e da tirania. Domiciano, o último imperador da Dinastia Flaviana, é uma dessas figuras. Sua passagem pelo trono imperial, de 81 a 96 d.C., é um capítulo sombrio na gloriosa história de Roma, contrastando drasticamente com os reinados carismáticos de seu pai, Vespasiano, e de seu irmão, Tito.
Enquanto Vespasiano e Tito gozavam do apreço do povo e do respeito do Senado, Domiciano emergiu como uma figura fria, desconfiada e, em última instância, impopular. Classificado ao lado de déspotas notórios como Tibério, Calígula e Nero, ele consolidou sua imagem como um dos "maus" da história romana.
Uma Juventude Marcada Pela Sombra
Nascido em Roma em 24 de outubro de 51 d.C., Domiciano teve uma juventude peculiar. Durante a ascensão de seu pai ao poder, o jovem Domiciano, então com 18 anos, desapareceu em meio ao caos da deposição de Vitélio. Sua aparição subsequente, agindo como se fosse o próprio César, já prenunciava uma personalidade egocêntrica e ávida por poder. Contido pelo leal Caio Licínio Muciano, sua imaturidade foi perdoada, mas os traços de um indivíduo esquivo, covarde e interesseiro já se mostravam presentes.
É digno de nota que Domiciano jamais desfrutou do mesmo carinho e proteção paterna que seu irmão Tito. Esse distanciamento, talvez, forjou um caráter introvertido e mordaz, alimentando um ciúme constante por Tito que percorreria toda a sua vida. Enquanto Vespasiano e Tito se dedicavam às campanhas militares e aos assuntos de Estado, Domiciano permanecia em Roma, sob a tutela de seu tio Flávio Sabino. Apesar de ser um rapaz aplicado nos estudos e amante dos clássicos gregos, sua conduta solitária e reservada era uma constante.
Mesmo após a chegada de seu pai a Roma, Domiciano foi relegado a um segundo plano. Suas responsabilidades eram meramente representativas, e seus repetidos pedidos para atuar em assuntos militares eram assiduamente negados. O cursus honorum, o caminho tradicional da carreira política romana, foi-lhe negado de forma regular, intensificando o ressentimento e o rancor em relação ao favorito Tito.
A Vida Amorosa e a Ascensão ao Poder
Nos assuntos sentimentais, Domiciano também não encontrou felicidade. Casou-se em 71 d.C. com Domícia Longina, filha do famoso General Corbulão. O casamento, que parecia normal nos primeiros anos, foi maculado por infidelidades mútuas. A relação incestuosa de Domiciano com sua sobrinha, Júlia Flávia, filha de Tito, culminou no repúdio e exílio de Longina. Anos depois, a mesma Longina se tornaria uma das principais arquitetas do complô que tiraria a vida do imperador.
A morte misteriosa de Tito, após os grandiosos festejos da inauguração do Coliseu, lançou uma sombra sobre Domiciano. Com Tito acometido por febres estranhas, Domiciano insistiu em banhos de água gelada e na viagem para a terra de seus antepassados. Assim que a comitiva de Tito partiu, Domiciano correu para o quartel-general dos pretorianos, proclamando-se imperador mediante um generoso donativo. A rapidez de sua ascensão, aliada aos "banhos negligentes" que, segundo os médicos, causaram a morte de Tito, levantou suspeitas entre o povo e os próximos do falecido imperador.
Um Reinado de Contraste e Tirania
As semelhanças com Tibério e Nero logo se fizeram presentes no reinado de Domiciano. Ele ignorou o Senado, desconsiderando suas funções e ditando leis sem o consentimento da Cúria, prenunciando um sistema autoritário.
No entanto, a primeira fase de seu império trouxe prosperidade a Roma. Ele se dedicou à restauração de imóveis danificados pelo incêndio da época de Tito e erigiu o Arco de Tito, talvez para mitigar os comentários sobre seu envolvimento na morte do irmão. Apesar de prescindir do Senado, Roma avançava, impulsionada mais pela inércia do que por uma boa gestão política.
Domiciano também retomou seu amor pelas letras, investindo na renovação de bibliotecas e apoiando grandes literatos da época, como Marco Valério Marcial, Marco Fábio Quintiliano e Públio Papínio Estácio. Em troca, esses homens louvavam suas bondades, ainda que de forma capciosa.
Em seu afã de homem onipotente, Domiciano impôs leis em prol da religião politeísta tradicional, buscando ser adorado como um deus. Ele nutria um ódio latente pelo cristianismo, tornando-se, ao lado de Nero, um dos imperadores mais hostis aos seguidores de Jesus.
Conflitos e a Paranoia Crescente
Os problemas nas províncias do Oriente, resolvidos nos reinados de Vespasiano e Tito, deram lugar a novas adversidades na Dácia e Moésia, com a ascensão do líder Decébalo. As humilhações impostas por Decébalo ao exército romano, culminando na morte de dois generais, levaram Domiciano a firmar um tratado humilhante para o Senado: Roma cederia pessoal qualificado e doações ao rei bárbaro em troca de respeito às fronteiras, contanto que Decébalo o chamasse de "César".
Apesar de seus esforços para fortalecer as fronteiras, construindo baluartes e atalaias ao longo do Reno, a paranoia de Domiciano crescia. O receio e a solidão, frutos de suas medidas impopulares, afetavam seu caráter introvertido. A popularidade do General Agrícola, que havia quase concluído a conquista da Escócia, atormentava-o. A sublevação do governador da Germânia Superior, Lúcio Antônio Saturnino, embora abortada, só intensificou sua desconfiança.
Com uma Guarda Pretoriana cética, um Senado custodiado e um exército desconfiado, Domiciano estava cada vez mais isolado. Essa solidão se transformou em crueldade, com execuções de partidários de Saturnino e o exílio de filósofos, cujas eloquências eram consideradas republicanas e liberais.
A Queda do Déspota
O fim de Domiciano foi precipitado por um complô que envolveu sua própria esposa, Domícia Longina, e os chefes da Guarda Pretoriana. Domiciano tinha o hábito de criar listas de pessoas que planejava executar, e uma delas, por ironia do destino, caiu nas mãos de Longina. Nela, figuravam os nomes dela, dos chefes do Pretório e de outros membros do palácio.
Essa foi a gota d'água. As tramas para eliminá-lo começaram. O executor escolhido foi um criado de confiança de Longina, que, escondendo uma faca em uma bandagem no braço, apunhalou o imperador. Gritos de dor alertaram libertos e guardas, que finalizaram o déspota.
A morte de Domiciano, em 18 de setembro de 96 d.C., abriu caminho para uma nova era em Roma. O Prefeito da Guarda Pretoriana exortou os senadores a elegerem um novo imperador. Com sabedoria, a Cúria propôs Marco Coceio Nerva, um homem veterano e sábio. Embora Nerva tenha reinado por apenas um ano e meio, ele lançou as bases para uma nova forma de entender o Sistema Imperial, devolvendo o poder legislativo e político ao Senado. Com Nerva, Roma iniciaria a época dourada imperial, com a linhagem dos Antoninos – Trajano, Adriano, Antonino Pio e Marco Aurélio.
A história de Domiciano serve como um lembrete vívido dos perigos do poder absoluto e da paranoia que ele pode gerar. Seu reinado, marcado por crueldade e desconfiança, contrasta fortemente com o legado de seus antecessores e pavimentou o caminho para uma das eras mais prósperas do Império Romano, justamente porque foi a era que o sucedeu.
Por Albino Monteiro