Constâncio II (337 – 361) O Imperador Esquecido


O Imperador Esquecido: Constâncio II e os Labirintos do Poder Romano

Entre a Cruz e a Coroa

No turbilhão do século IV, quando o Império Romano oscilava entre a glória e a decadência, um nome ressoa com menos estrondo do que deveria: Constâncio II. Filho do lendário Constantino, o Grande, e herdeiro de um império dividido, Constâncio governou de 337 a 361 d.C., enfrentando conspirações palacianas, guerras de fronteira e uma igreja em ebulição. Foi um imperador devoto, implacável e, acima de tudo, moldado pelas contradições de seu tempo.

O Império em Fragmentos

A morte de Constantino, em 337, deixou o império nas mãos de seus três filhos: Constâncio II, Constantino II e Constante. A partilha, longe de ser pacífica, mergulhou Roma em uma guerra fratricida. Constantino II caiu em 340, e Constante foi assassinado em 350. Restou Constâncio, que consolidou seu poder ao derrotar o usurpador Magnêncio em 353, tornando-se o único senhor de Roma.

Um Príncipe Forjado na Corte

Nascido em 317, Constâncio cresceu sob a sombra do pai, sendo educado para reinar. Era um cristão convicto — mas adepto do arianismo, uma vertente considerada herética pelos nicenos. Essa escolha religiosa não foi apenas espiritual: ela moldou sua política, sua diplomacia e sua repressão. Inteligente e estrategista, Constâncio também era desconfiado e autoritário, características que marcariam profundamente seu governo.

O Imperador Absoluto

Constâncio II foi um arquiteto do poder centralizado. Reduziu a autonomia das elites locais, reforçou o aparato burocrático e não hesitou em eliminar rivais — inclusive dentro da própria família. Sua política religiosa foi marcada por perseguições a bispos nicenos, como Atanásio de Alexandria, e por uma tentativa de impor o arianismo como doutrina oficial. A fé, para Constâncio, era também uma ferramenta de controle.

Guerras nas Fronteiras

No front externo, o imperador enfrentou o persistente desafio do Império Sassânida, liderado por Sapor II. As campanhas no Oriente foram longas e inconclusivas, drenando recursos e homens. No Ocidente, Constâncio combateu invasões bárbaras no Danúbio e reforçou as defesas fronteiriças. Em 355, numa tentativa de estabilizar a Gália, nomeou seu primo Juliano como César — uma decisão que selaria seu destino.

Juliano, o Rival Inesperado

Juliano, carismático e brilhante, conquistou vitórias na Gália e a lealdade das tropas. Em 360, foi proclamado Augusto por seus soldados, desafiando a autoridade de Constâncio. O imperador marchou contra o primo rebelde, mas a morte o alcançou antes do confronto. Em 361, debilitado por febre, Constâncio nomeou Juliano como sucessor em seu leito de morte — um gesto tardio de reconciliação ou de resignação?

Um Legado Ambíguo

Constâncio II consolidou o modelo de monarquia absolutista e teocrática iniciado por seu pai. Sua tentativa de unificar o império sob uma fé dividida aprofundou as fissuras dentro do cristianismo. Embora tenha mantido o império unido por quase três décadas, seu governo foi marcado por instabilidade, repressão e uma constante sensação de crise.

O Imperador das Sombras

Na galeria dos grandes imperadores romanos, Constâncio II raramente ocupa o centro do palco. Ofuscado por Constantino e Juliano, é lembrado mais por seus erros do que por seus feitos. No entanto, sua trajetória revela um império em transição — entre o paganismo e o cristianismo, entre a república e a autocracia, entre a unidade e a fragmentação. Constâncio foi, talvez, o último imperador a tentar controlar todos os fios do poder antes que o tecido imperial começasse a se desfazer.

E por isso, merece ser lembrado — não como herói ou vilão, mas como o reflexo de um império à beira da transformação.

Por Albino Monteiro