As Primeiras Codificações de Leis: Uma Jornada do Código de Ur-Nammu ao Legado Duradouro
As Primeiras Codificações de Leis: Uma Jornada do Código de Ur-Nammu ao Legado Duradouro
O conceito de direito codificado, essencial para a organização social e a administração da justiça, tem raízes profundas na antiguidade. Embora o Código de Hamurabi (c. 1754 a.C.) seja amplamente reconhecido e estudado, ele foi precedido por outras importantes compilações legais que estabeleceram os alicerces para o desenvolvimento do direito como o conhecemos hoje. As primeiras dessas codificações de leis conhecidas emergiram na Suméria, uma das civilizações mais antigas do mundo, localizada na Mesopotâmia.
O Pioneirismo do Código de Ur-Nammu
Entre as primeiras e mais significativas dessas coleções de leis está o Código de Ur-Nammu, datado de aproximadamente 2100-2050 a.C., durante o período da Terceira Dinastia de Ur. Ur-Nammu, o fundador dessa dinastia, é creditado com a criação deste notável documento legal. Embora fragmentado, o código foi reconstruído a partir de tabuinhas de argila escavadas em várias cidades sumérias, como Nippur, Ur e Sippar.
Ao contrário da imagem popular de leis antigas focadas exclusivamente em retaliação ("olho por olho"), o Código de Ur-Nammu apresenta uma abordagem surpreendentemente sofisticada. Ele se destaca por prever compensações monetárias para uma série de delitos, como lesões corporais, em vez de punições físicas diretas. Isso sugere uma sociedade que já buscava a reparação e a restauração da ordem social através de meios econômicos, refletindo um estágio avançado de pensamento jurídico.
Os princípios estabelecidos pelo Código de Ur-Nammu visavam garantir a justiça e a ordem social. Suas disposições abordavam diversas áreas, incluindo:
Direito de Família: Regras sobre casamento, divórcio e herança.
Direito Penal: Definição de crimes como roubo, assassinato e calúnia, com suas respectivas penalidades.
Direito Civil: Normas relacionadas a contratos, propriedade e comércio.
A existência de um prólogo no código, que invoca a divindade e os deuses para legitimar a autoridade do rei e o propósito das leis, demonstra a estreita ligação entre o poder real, a religião e a lei na antiga Mesopotâmia. O objetivo declarado de Ur-Nammu era "trazer a justiça para a terra" e proteger os vulneráveis, como viúvas e órfãos, indicando uma preocupação com a equidade social.
A Evolução do Direito Codificado na Mesopotâmia
O Código de Ur-Nammu não foi um evento isolado, mas parte de uma tradição que veria o surgimento de outras codificações importantes na Mesopotâmia. O Código de Lipit-Ishtar (c. 1934-1924 a.C.), rei de Isin, é outro exemplo notável que seguiu os passos de Ur-Nammu, aprofundando e expandindo as disposições legais.
No entanto, o Código de Hamurabi, quase três séculos depois de Ur-Nammu, é sem dúvida o mais famoso e completo de todos os códigos mesopotâmicos. Esculpido em uma estela de diorito, ele se tornou um símbolo da justiça antiga. Embora o Código de Hamurabi seja conhecido por sua rigorosa aplicação da Lei de Talião em certos casos, ele também incorporou muitos dos princípios estabelecidos por seus antecessores, como Ur-Nammu, incluindo a compensação monetária para certos delitos e a proteção de grupos vulneráveis. A sua maior abrangência e a sua linguagem mais detalhada contribuíram para a sua proeminência histórica.
O Legado Duradouro
A importância dessas primeiras codificações vai muito além de seu valor arqueológico. Elas representam um marco fundamental na história da civilização, demonstrando a necessidade humana intrínseca de estabelecer regras claras para a convivência social. A ideia de que a lei não é arbitrária, mas sim um conjunto de princípios escritos e acessíveis, que governa as ações de todos (inclusive do próprio governante), é um legado que ecoa até os sistemas jurídicos modernos.
Do Código de Ur-Nammu ao Código de Hamurabi, essas compilações sumérias e babilônicas pavimentaram o caminho para o desenvolvimento do direito romano, que por sua vez influenciou grande parte dos sistemas jurídicos ocidentais. Elas nos lembram que a busca por justiça, ordem e equidade é uma constante na história da humanidade, moldando as sociedades desde os seus primórdios.