A Criação da ONU
A Criação da ONU: Um Marco na Busca pela Paz e Cooperação Internacional
A fundação da Organização das Nações Unidas (ONU) em 1945 representa um dos mais significativos esforços da humanidade para afastar-se dos horrores da guerra e construir um futuro de paz, cooperação e respeito aos direitos humanos. Nascida das cinzas da Segunda Guerra Mundial, a ONU surgiu como uma resposta premente à necessidade de um organismo global capaz de prevenir conflitos futuros, promover o diálogo entre as nações e abordar desafios que transcendem fronteiras nacionais.
Os Antecedentes e a Crise da Liga das Nações
Para compreender a relevância da ONU, é fundamental analisar o contexto que a precedeu. A Primeira Guerra Mundial, encerrada em 1918, já havia catalisado a criação da Liga das Nações, uma organização pioneira com propósitos semelhantes aos da futura ONU. No entanto, a Liga, apesar de suas intenções nobres, falhou em impedir a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Diversos fatores contribuíram para seu insucesso, incluindo a ausência de potências cruciais como os Estados Unidos, a falta de mecanismos eficazes para fazer cumprir suas decisões e a inabilidade em lidar com as agressões de regimes totalitários na década de 1930. A incapacidade da Liga de evitar um novo conflito global evidenciou a necessidade de uma estrutura mais robusta, abrangente e com maior capacidade de ação.
A Visão de um Novo Mundo: A Segunda Guerra Mundial e o Ímpeto para a Criação da ONU
A brutalidade e a escala devastadora da Segunda Guerra Mundial, que ceifou milhões de vidas e causou destruição sem precedentes, serviram como um catalisador para a busca por uma nova ordem mundial. Líderes de nações aliadas, como Franklin D. Roosevelt (Estados Unidos), Winston Churchill (Reino Unido) e Joseph Stalin (União Soviética), reconheceram que a paz duradoura dependeria de uma cooperação internacional contínua e da criação de um sistema de segurança coletiva eficaz.
O processo de formulação dos princípios da futura organização começou antes mesmo do fim da guerra. A Carta do Atlântico, assinada em 1941 por Roosevelt e Churchill, já delineava a visão de um mundo pós-guerra baseado na autodeterminação dos povos, na liberdade do medo e da miséria, e na cooperação internacional para o bem-estar de todos.
Posteriormente, a Declaração das Nações Unidas, em 1942, assinado por 26 países que lutavam contra as Potências do Eixo, utilizou pela primeira vez o termo "Nações Unidas", cunhado por Roosevelt, e comprometia os signatários a trabalharem juntos para derrotar as potências do Eixo e a não fazerem paz separada.
As Conferências Chave e a Formação da Carta da ONU
O caminho para a formalização da ONU envolveu uma série de conferências diplomáticas cruciais:
Conferência de Moscou (1943): Os Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e China reconheceram a necessidade de uma organização internacional geral baseada no princípio da igualdade soberana de todos os Estados amantes da paz, para a manutenção da paz e segurança internacionais.
Conferência de Teerã (1943): Roosevelt, Churchill e Stalin reiteraram o compromisso de criar uma organização internacional pós-guerra.
Conferência de Dumbarton Oaks (1944): Representantes dos EUA, Reino Unido, URSS e China elaboraram propostas detalhadas para a estrutura da nova organização, incluindo a criação de um Conselho de Segurança e uma Assembleia Geral. Este foi um passo fundamental na arquitetura da ONU.
Conferência de Yalta (1945): Os "Três Grandes" (Roosevelt, Churchill e Stalin) decidiram sobre a questão do poder de veto dos membros permanentes no Conselho de Segurança, um ponto controverso, mas considerado essencial para garantir a participação das grandes potências.
Conferência de São Francisco (1945): A culminação de todos esses esforços foi a Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, realizada em São Francisco, EUA, de 25 de abril a 26 de junho de 1945. Delegados de 50 nações participaram da elaboração e da assinatura da Carta das Nações Unidas. A Polônia, que não pôde comparecer à conferência, assinou a Carta mais tarde e é considerada um dos 51 membros fundadores.
A Carta das Nações Unidas, documento fundador da organização, entrou em vigor em 24 de outubro de 1945, data que hoje é celebrada como o Dia das Nações Unidas, após ser ratificada pela maioria dos signatários, incluindo os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.
Propósitos e Princípios Fundamentais da ONU
A Carta da ONU estabelece os propósitos e princípios que guiam a organização, refletindo o ideal de um mundo mais justo e pacífico:
Manter a paz e a segurança internacionais: Este é o propósito central, a ser alcançado através de medidas coletivas eficazes para prevenir e remover ameaças à paz, e para suprimir atos de agressão ou outras violações da paz.
Desenvolver relações amigáveis entre as nações: Baseadas no respeito ao princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos.
Alcançar a cooperação internacional: Na solução de problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário, e na promoção e estímulo ao respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
Ser um centro harmonizador: Para as ações das nações na consecução desses objetivos comuns.
Os princípios que norteiam a atuação da ONU incluem: a igualdade soberana de todos os seus membros; o cumprimento de boa fé das obrigações assumidas; a solução pacífica das controvérsias internacionais; a abstenção da ameaça ou uso da força contra a integridade territorial ou a independência política de qualquer Estado; a assistência à ONU em qualquer ação que ela empreenda; e a não intervenção da ONU em assuntos que são essencialmente da jurisdição interna de qualquer Estado, exceto quando se trata de medidas coercitivas para a manutenção da paz e segurança internacionais.
Estrutura e Órgãos Principais
A ONU é composta por seis órgãos principais, cada um com funções específicas:
Assembleia Geral: É o principal órgão deliberativo da ONU, composto por todos os 193 Estados-membros, cada um com um voto. Ela discute e faz recomendações sobre uma vasta gama de questões internacionais, desde a paz e segurança até o desenvolvimento e os direitos humanos.
Conselho de Segurança: O órgão com a principal responsabilidade pela manutenção da paz e segurança internacionais. É composto por 15 membros: 5 permanentes (China, França, Federação Russa, Reino Unido e Estados Unidos), que possuem poder de veto, e 10 membros não permanentes eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de dois anos.
Conselho Econômico e Social (ECOSOC): Coordena o trabalho econômico e social da ONU e das suas agências especializadas, com foco em questões como desenvolvimento sustentável, meio ambiente, direitos humanos, saúde e educação.
Conselho de Tutela: Embora atualmente inativo, foi estabelecido para supervisionar a administração dos territórios sob tutela, garantindo seu desenvolvimento progressivo para a autodeterminação ou independência.
Corte Internacional de Justiça (CIJ): É o principal órgão judicial da ONU, responsável por julgar disputas legais entre Estados.
Secretariado: Composto por um Secretário-Geral e uma equipe de funcionários internacionais que trabalham em escritórios em todo o mundo, ele executa o trabalho diário da ONU conforme as instruções da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança.
Além desses órgãos principais, a ONU possui uma vasta rede de fundos, programas e agências especializadas (como a UNICEF, a OMS, a UNESCO, o FMI, o Banco Mundial, entre outros) que atuam em diversas áreas, expandindo o alcance e a capacidade de intervenção da organização em todo o mundo.
Legado e Desafios da ONU
Desde sua fundação, a ONU tem desempenhado um papel crucial na prevenção de conflitos, na promoção do desenvolvimento e na defesa dos direitos humanos. Suas conquistas incluem a descolonização de inúmeras nações, a prestação de assistência humanitária em crises, a promoção de acordos internacionais sobre questões ambientais, de saúde e de desarmamento, e a criação de um fórum global para o diálogo e a resolução pacífica de disputas. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, é um dos legados mais importantes da organização.
No entanto, a ONU também enfrenta desafios significativos. O poder de veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança pode, em alguns casos, paralisar a ação em face de crises graves. A falta de um exército próprio e a dependência da vontade política dos Estados-membros limitam sua capacidade de intervenção. Além disso, a organização lida com a complexidade de um mundo em constante mudança, com novas ameaças como o terrorismo, as mudanças climáticas e as pandemias globais. A reforma do Conselho de Segurança para refletir a nova realidade geopolítica e garantir uma representatividade mais equitativa também é um debate persistente.
Conclusão
A criação da Organização das Nações Unidas em 1945 foi um marco histórico, representando um compromisso global sem precedentes com a paz e a cooperação internacional. Nascida da tragédia da guerra, a ONU estabeleceu uma plataforma fundamental para o diálogo, a negociação e a ação coletiva em prol de um mundo mais seguro, justo e próspero. Embora enfrente desafios e limitações inerentes à sua natureza intergovernamental, a ONU continua sendo um pilar indispensável na arquitetura da governança global, reafirmando diariamente a necessidade de que as nações trabalhem juntas para superar os desafios comuns e construir um futuro de respeito mútuo e solidariedade. A sua existência, por si só, é um testemunho da crença na capacidade da humanidade de aprender com o passado e forjar um caminho em direção a um futuro de coexistência pacífica.