A Batalha de Creta (20 de maio a 1 de junho de 1941)

A Batalha de Creta (20 de maio a 1 de junho de 1941): A Primeira Grande Operação Aerotransportada

A Batalha de Creta, travada entre 20 de maio e 1 de junho de 1941, representa um marco fundamental na história militar, não apenas por sua intensidade e brutalidade, mas por ser a primeira grande operação aerotransportada em larga escala da história. Nela, as forças alemãs lançaram-se sobre a ilha de Creta com o objetivo de a capturar, utilizando primariamente paraquedistas e tropas transportadas por planadores. 

1. Antecedentes Estratégicos: O Contexto da Invasão

A invasão de Creta, codinome Operação Merkur (Operação Mercúrio), não foi um evento isolado, mas sim parte integrante da estratégia alemã no Teatro do Mediterrâneo durante a Segunda Guerra Mundial. Após a bem-sucedida campanha nos Balcãs, que viu a rápida ocupação da Jugoslávia e da Grécia, a posse de Creta tornou-se um objetivo militar crucial para a Alemanha.

  • Importância Geopolítica de Creta: Localizada no Mediterrâneo oriental, Creta oferecia uma base aérea e naval estratégica que poderia ser utilizada para controlar as rotas marítimas, ameaçar o flanco sul do Eixo na Europa e servir como trampolim para futuras operações no Médio Oriente e Norte de África. Para os Aliados, especialmente a Grã-Bretanha, a ilha era vital para a defesa do Egito e do Canal de Suez.

  • A Campanha dos Balcãs e a Pressão Alemã: A rápida vitória alemã na Grécia deixou as forças britânicas e da Commonwealth numa posição precária. Muitas das tropas aliadas que haviam sido evacuadas do continente grego foram enviadas para Creta, acreditando que a ilha seria mais fácil de defender.

  • O Interesse de Hitler em Creta: Embora inicialmente houvesse divergências dentro do alto comando alemão sobre a viabilidade e a necessidade de uma invasão aerotransportada, a insistência de Hitler, que via a operação como uma demonstração do poder aéreo alemão e uma forma de consolidar o domínio no Mediterrâneo, prevaleceu. Acredita-se que Hitler queria evitar que a Royal Navy usasse a ilha como base para atacar o flanco sul da Europa.

2. Forças Envolvidas e Planos de Batalha

A Batalha de Creta opôs as Fallschirmjäger (paraquedistas) da Luftwaffe e elementos da 5ª Divisão de Montanha do Exército Alemão contra uma força defensiva composta por britânicos, australianos, neozelandeses, gregos e um contingente considerável de civis cretenses.

2.1. Forças Alemãs

A espinha dorsal da força de invasão alemã era o XI. Fliegerkorps (XI Corpo Aéreo), sob o comando do General Kurt Student, um entusiasta do uso de paraquedistas.

  • Divisões Aerotransportadas: A 7ª Divisão de Aviação (Luftlande-Division), que incluía a maioria dos Fallschirmjäger, e a 22ª Divisão de Infantaria Aerotransportada (que seria transportada por via marítima, embora grande parte dela não tenha chegado a tempo devido a perdas navais).

  • Apoio Aéreo: Um componente crucial da invasão era a superioridade aérea da Luftwaffe, com um grande número de bombardeiros (Junkers Ju 87 Stuka) e caças (Messerschmitt Bf 109 e Bf 110) baseados no continente grego.

  • Logística e Transporte: Os transportes eram predominantemente Junkers Ju 52, que lançavam os paraquedistas e transportavam as tropas e equipamentos em planadores.

O plano alemão era realizar uma série de desembarques aéreos em pontos-chave da ilha, com o objetivo de capturar os principais aeródromos (Maleme, Chania, Rethymno e Heraklion) para permitir a aterragem de reforços e suprimentos.

2.2. Forças Aliadas

As forças aliadas em Creta estavam sob o comando do General Bernard Freyberg, da Nova Zelândia.

  • Composição: As tropas eram uma mistura de unidades da Commonwealth (australianos, neozelandeses), britânicos (incluindo alguns Royal Marines), e um número considerável de militares gregos recém-formados e mal equipados, bem como civis cretenses com armas improvisadas.

  • Defesas e Recursos: As defesas aliadas eram dispersas e, em muitos casos, mal preparadas. Havia escassez de armamento pesado, artilharia e, crucialmente, falta de apoio aéreo, já que a Royal Air Force havia sido retirada para o Egito para evitar a sua destruição no solo. As defesas costeiras eram mínimas.

Freyberg enfrentou o desafio de defender uma ilha extensa com recursos limitados e sem conhecimento preciso do ponto e da escala do ataque alemão. Embora esperasse um ataque aerotransportado, ele também previu um desembarque marítimo, o que levou a uma dispersão das suas forças.

3. O Início da Batalha: 20 de Maio de 1941

A manhã de 20 de maio de 1941 começou com um intenso bombardeamento da Luftwaffe sobre as posições aliadas, seguido pelo silvo dos motores dos Ju 52 e a visão de milhares de paraquedistas alemães a descer do céu.

  • Os Desembarques Iniciais: Os primeiros paraquedistas foram lançados sobre Maleme e Chania. A surpresa e a confusão foram generalizadas, mas a resistência aliada foi muito mais forte do que os alemães esperavam. Muitos paraquedistas foram mortos antes mesmo de chegarem ao solo ou logo após a aterragem, apanhados por atiradores e civis armados.

  • Batalha pelo Aeródromo de Maleme: O aeródromo de Maleme, no setor oeste da ilha, era o objetivo mais crítico. A sua captura permitiria a aterragem de reforços aéreos. A luta por Maleme foi feroz e prolongada, com os defensores neozelandeses a resistir tenazmente. No entanto, devido a uma falha de comunicação e a uma decisão controversa de Freyberg de retirar as suas forças do campo de aviação durante a noite, os alemães conseguiram consolidar uma posição precária.

  • Combates em Chania, Rethymno e Heraklion: Nos outros setores, os paraquedistas alemães enfrentaram uma resistência igualmente determinada. Em Chania, Rethymno e Heraklion, os combates foram brutais e resultaram em pesadas baixas para os alemães. Muitos dos seus objetivos iniciais não foram alcançados no primeiro dia.

4. A Luta pela Ilha: Dias Cruciais (21 de maio - 27 de maio)

Os dias que se seguiram aos desembarques iniciais foram marcados por combates encarniçados por toda a ilha, com as forças alemãs a tentar expandir os seus pontos de apoio e as forças aliadas a tentar conter o avanço.

  • A Queda de Maleme e o Fluxo de Reforços: A captura total do aeródromo de Maleme em 21 de maio foi um ponto de viragem. Apesar de ainda estarem sob fogo, os alemães conseguiram fazer aterrar os seus transportes Ju 52, trazendo reforços e suprimentos cruciais, embora com pesadas perdas de aeronaves devido ao fogo antiaéreo. Este fluxo contínuo de tropas, incluindo elementos da 5ª Divisão de Montanha, permitiu aos alemães solidificar a sua presença e começar a avançar para leste.

  • A Resistência Cívica: Uma característica notável da Batalha de Creta foi a participação massiva da população civil cretense na resistência. Armados com o que puderam encontrar, desde espingardas de caça a facas e ferramentas agrícolas, os civis atacaram os paraquedistas alemães com ferocidade, causando-lhes pesadas baixas e chocando o alto comando alemão, que não esperava tal nível de resistência da população civil. Esta participação levou a represálias brutais por parte dos alemães, que executaram civis e destruíram aldeias em retaliação.

  • Combates em Chania e Souda Bay: À medida que os alemães avançavam a partir de Maleme, os combates intensificaram-se em torno de Chania, a capital de facto da ilha, e da baía de Souda, um importante porto. As forças aliadas, sob pressão constante, foram gradualmente forçadas a recuar para o leste.

  • Operações Navais e Perdas Aliadas: A Royal Navy desempenhou um papel vital na tentativa de impedir o desembarque de reforços marítimos alemães e na evacuação de tropas aliadas. No entanto, a superioridade aérea da Luftwaffe resultou em perdas devastadoras para a Marinha Real. Vários navios de guerra, incluindo cruzadores e contratorpedeiros, foram afundados ou gravemente danificados por ataques aéreos alemães, forçando a retirada de grande parte da frota britânica.

5. A Retirada Aliada e a Conclusão da Batalha

Com a situação a deteriorar-se rapidamente e as forças aliadas a serem empurradas para a costa sul, a decisão de evacuar tornou-se inevitável.

  • Evacuação de Sfakia: A partir de 28 de maio, as tropas aliadas sobreviventes começaram a recuar para a cidade costeira de Sfakia, no sul da ilha, onde a Royal Navy tentaria evacuá-las. A marcha através do terreno montanhoso de Creta foi exaustiva e perigosa, com as tropas sob constante assédio aéreo e ataques de forças terrestres alemãs.

  • Operação "Scooter" e "Demon": A evacuação de Creta, nomeada em códigos como "Scooter" e "Demon", foi uma operação complexa e perigosa, realizada sob intensa pressão da Luftwaffe. Milhares de soldados foram evacuados com sucesso, mas um número significativo foi deixado para trás e capturado pelos alemães. Estima-se que mais de 12.000 soldados aliados foram evacuados, mas cerca de 18.000 foram capturados ou mortos.

  • A Queda Final: Em 1 de junho de 1941, os últimos bolsões de resistência aliada em Creta foram esmagados, e a ilha foi declarada sob controlo alemão.

6. Consequências e Legado

A Batalha de Creta teve consequências imediatas e a longo prazo, tanto para os Aliados quanto para o Eixo.

6.1. Custos e Baixas

  • Perdas Alemãs: Embora uma vitória tática, a Batalha de Creta foi extremamente dispendiosa para os alemães em termos de vidas e equipamentos. Estima-se que entre 4.000 e 7.000 paraquedistas alemães foram mortos ou gravemente feridos, juntamente com um número significativo de aeronaves de transporte (cerca de 220 Ju 52 destruídos e muitos mais danificados). Estas perdas foram tão elevadas que Hitler ficou dissuadido de realizar futuras operações aerotransportadas em grande escala.

  • Perdas Aliadas: As perdas aliadas foram igualmente pesadas, com cerca de 3.500 mortos e mais de 12.000 capturados. A Royal Navy sofreu perdas significativas, com vários navios afundados e danificados.

6.2. Implicações Táticas e Estratégicas

  • O Fim das Grandes Operações Aerotransportadas Alemãs: As pesadas baixas sofridas pelos Fallschirmjäger em Creta levaram Hitler a proibir futuras operações aerotransportadas de grande escala, argumentando que a arma paraquedista era demasiado valiosa para ser "sacrificada" desta forma. Esta decisão teve um impacto significativo no curso da guerra, pois privou os alemães de uma ferramenta tática potente em campanhas posteriores.

  • A Resiliência da Defesa e o Potencial da Guerra Aerotransportada: Apesar das perdas alemãs, a Batalha de Creta demonstrou o potencial e a viabilidade de operações aerotransportadas em grande escala, influenciando o desenvolvimento das doutrinas e unidades aerotransportadas aliadas. Os Aliados estudaram atentamente os erros e sucessos alemães, o que mais tarde se refletiria nas suas próprias operações (como o Dia D e a Operação Market Garden).

  • Propaganda e Moral: A vitória em Creta foi um impulso de moral para a Alemanha, que a apresentou como uma demonstração da invencibilidade da Blitzkrieg e da superioridade da Luftwaffe. Para os Aliados, a defesa tenaz de Creta, embora mal sucedida, demonstrou a sua determinação e a capacidade de lutar contra odds avassaladoras.

6.3. O Legado de Creta

  • A Memória da Resistência: A resistência feroz dos civis cretenses deixou uma marca indelével na memória da ilha e na história da Segunda Guerra Mundial. Creta continua a ser um símbolo de desafio e sacrifício.

  • O Estudo da Guerra Aerotransportada: A Batalha de Creta permanece um caso de estudo essencial para estrategistas militares e historiadores, oferecendo lições valiosas sobre planeamento, execução e contratempos de operações aerotransportadas.

  • Brutalidade da Ocupação: A ocupação alemã de Creta, que se seguiu à batalha, foi marcada por uma repressão brutal, com execuções e retaliações contra a população civil, que continuou a resistir.

Conclusão

A Batalha de Creta foi um conflito de proporções épicas, caracterizado pela inovação tática, pela brutalidade dos combates e pela tenacidade da resistência. Embora uma vitória alemã, o seu custo em vidas e recursos, particularmente para as unidades aerotransportadas, alterou o curso da estratégia militar alemã e demonstrou a vulnerabilidade de operações aerotransportadas em grande escala contra defesas bem organizadas. Para os Aliados, Creta foi uma derrota dolorosa, mas também uma fonte de lições cruciais que moldariam as suas futuras operações. Mais de oitenta anos depois, a Batalha de Creta continua a ser um testemunho da coragem, do sacrifício e das complexidades inerentes à guerra moderna.