A Arte Mural e o Papiro no Antigo Egito: Temas e Técnicas
A Arte Mural e o Papiro no Antigo Egito: Temas e Técnicas
A arte egípcia antiga, com sua riqueza de cores e simbolismo, desempenhou um papel central na vida e na crença desse povo milenar. Particularmente nos afrescos em tumbas e nas ilustrações em papiros, encontramos um vasto repositório de informações sobre sua cultura, religião e cotidiano. Este estudo abordará os principais temas representados nessas obras – vida cotidiana, rituais funerários e a iconografia dos deuses – bem como as técnicas artísticas empregadas para criá-las.
O Contexto da Arte Egípcia
A arte egípcia não era meramente decorativa; ela possuía uma função prática e espiritual intrínseca. Em um mundo onde a vida após a morte era uma preocupação central, a arte servia como um meio para garantir a continuidade da existência do falecido no Além, bem como para manter a ordem cósmica (Ma'at). As representações, embora estilizadas, eram entendidas como a realidade em um plano divino, e sua correta execução era vital para o sucesso da transição para a eternidade.
Temas Centrais nas Tumbas e Papiros
A iconografia egípcia é rica e diversificada, refletindo os múltiplos aspectos da vida e da morte.
Vida Cotidiana: Um Espelho da Sociedade Egípcia
Apesar da predominância de temas funerários e religiosos, as paredes das tumbas e, em menor grau, os papiros, nos oferecem um vislumbre fascinante do dia a dia dos antigos egípcios. Essas cenas tinham a finalidade de garantir que o falecido tivesse acesso, na vida após a morte, a todas as provisões e prazeres desfrutados em vida.
Atividades Agrícolas: A vida no Egito Antigo era intrinsecamente ligada ao ciclo do Nilo e à agricultura. Afrescos frequentemente retratam o arar da terra, a semeadura, a colheita de grãos e a criação de gado. Essas cenas não apenas mostravam a fonte de sustento, mas também simbolizavam a fertilidade e a renovação da vida.
Ofícios e Artesanato: Pinturas detalham uma variedade de ofícios, como ourivesaria, carpintaria, tecelagem e fabricação de cerâmica. Essas representações fornecem informações valiosas sobre as ferramentas e técnicas empregadas, bem como sobre a organização do trabalho.
Banquetes e Entretenimento: Cenas de banquetes e celebrações eram comuns, mostrando o falecido desfrutando de refeições com familiares e amigos, muitas vezes acompanhados por músicos, dançarinos e acrobatas. Essas representações reforçavam a ideia de uma existência feliz e abundante no Além.
Caça e Pesca: Atividades de caça e pesca, além de seu caráter recreativo, também tinham um significado simbólico, representando o domínio do falecido sobre a natureza e as forças do caos.
Rituais Funerários: A Jornada para a Eternidade
Os rituais funerários eram de suma importância, e sua representação pictórica garantia sua eficácia contínua.
Procissões Funerárias: As paredes das tumbas frequentemente descrevem o cortejo funerário, com carregadores de oferendas, sacerdotes e carpideiras, transportando o sarcófago e os bens do falecido até a tumba.
Abertura da Boca: Este era um dos rituais mais cruciais, destinado a devolver ao múmia a capacidade de falar, comer e beber, permitindo-lhe interagir com o mundo dos deuses e participar das oferendas. As cenas mostram sacerdotes realizando o ritual com instrumentos específicos.
Julgamento de Osíris: Especialmente proeminente em papiros funerários como o Livro dos Mortos, o julgamento perante Osíris era um momento decisivo. A cena típica mostra o coração do falecido sendo pesado contra a pena de Ma'at (a verdade e a justiça), com Toth registrando o resultado e Ammit (a Devoradora) à espera daqueles que falhassem no teste.
Deuses e o Panteão Egípcio: A Ordem Cósmica
A religião politeísta egípcia era complexa, e a representação dos deuses era fundamental para a compreensão de sua cosmologia e para a interação com o divino.
Representações Icônicas: Deuses eram frequentemente representados com suas características distintivas: Hórus com cabeça de falcão, Anúbis com cabeça de chacal, Ísis com o trono em sua cabeça, Osíris com a coroa atef e o cetro e o flagelo. Essas representações ajudavam os egípcios a identificar e invocar as divindades apropriadas.
Interações com o Falecido: Em muitas cenas, os deuses são mostrados recebendo oferendas do falecido, guiando-o pelo submundo ou concedendo-lhe bênçãos. Essas interações eram cruciais para a aceitação do falecido no reino dos mortos.
Cenas Mitológicas: Embora menos comuns do que as cenas de culto, algumas representações narram episódios da mitologia egípcia, como a luta entre Hórus e Set, ou a criação do mundo.
Técnicas Artísticas no Antigo Egito
As técnicas empregadas pelos artistas egípcios eram notavelmente sofisticadas, considerando as ferramentas e materiais disponíveis.
Afrescos em Tumbas: A Arte Mural
As pinturas murais em tumbas não eram "afrescos" no sentido renascentista de pintura sobre gesso molhado. Eram, na verdade, tempera sobre gesso seco.
Preparação da Superfície: As paredes de pedra ou tijolo de barro eram primeiramente niveladas e cobertas com uma camada de gesso de argila e palha. Sobre esta, aplicava-se uma camada mais fina de gesso de gesso (carbonato de cálcio), que proporcionava uma superfície lisa e branca para a pintura.
Desenho Preliminar: Os artistas traçavam as diretrizes da composição usando uma grade para garantir as proporções corretas, conforme o cânone egípcio. Em seguida, os contornos das figuras e objetos eram esboçados em vermelho ou preto.
Pigmentos: Os pigmentos eram derivados de minerais e terras naturais, moídos e misturados com um aglutinante, provavelmente goma arábica ou clara de ovo, para criar a tinta.
Vermelho: Óxido de ferro (ocre vermelho).
Amarelo: Óxido de ferro (ocre amarelo) ou orpimento.
Azul: Frits de cobre (azul egípcio), uma inovação egípcia notável.
Verde: Malaquita moída ou frits de cobre.
Preto: Carvão vegetal ou manganês.
Branco: Gesso ou calcário.
Aplicação da Tinta: As cores eram aplicadas em camadas planas e opacas, com pouca ou nenhuma sobreposição ou gradação de tons. A perspectiva era rara; em vez disso, as figuras eram frequentemente representadas em uma perspectiva hierática, onde o tamanho indicava importância, e em uma perspectiva composta (cabeça de perfil, olho frontal, ombros frontais e pernas de perfil).
Detalhes e Contornos: Após a aplicação das cores, os contornos eram frequentemente refinados com linhas pretas, e detalhes menores eram adicionados.
Pinturas em Papiros: A Arte Portátil
As ilustrações em papiros, especialmente nos Livros dos Mortos, eram feitas com técnicas semelhantes às dos murais, mas em uma escala menor e com maior flexibilidade.
Preparação do Papiro: O papiro era preparado a partir das hastes da planta de papiro, que eram cortadas em tiras, sobrepostas em duas camadas (horizontal e vertical), prensadas e secas para formar uma "folha". Várias folhas podiam ser coladas para formar rolos longos.
Desenho e Pintura: Assim como nos murais, os artistas esboçavam os desenhos e depois aplicavam os pigmentos. A natureza absorvente do papiro permitia uma aplicação suave e vibrante das cores.
Escrita Hieroglífica: As imagens eram frequentemente acompanhadas por colunas de hieróglifos, que forneciam os feitiços, hinos e orações essenciais para a jornada do falecido no submundo. A escrita e a imagem eram intrinsecamente ligadas.
Conclusão
A pintura em afrescos de tumbas e em papiros no Antigo Egito não era apenas uma forma de expressão artística, mas um pilar fundamental da sua cosmovisão. Através de temas que abrangiam a vida cotidiana, rituais funerários complexos e o vasto panteão de deuses, os egípcios buscavam perpetuar a vida, garantir a ordem e facilitar a passagem para a eternidade. As técnicas empregadas, embora baseadas em materiais naturais e ferramentas simples, demonstram uma mestria notável e um profundo entendimento dos princípios estéticos e simbólicos. Ao estudarmos essas obras, somos transportados para um mundo onde a arte e a espiritualidade se entrelaçavam, revelando a alma de uma das civilizações mais fascinantes da história humana.