Geb, o Deus da Terra no Panteão Egípcio

 

Geb: O Deus que Deitou-se para o Mundo Nascer

No coração do deserto egípcio, onde o sol reina absoluto e o Nilo serpenteia como veia vital de uma civilização milenar, repousa uma divindade silenciosa, mas onipresente: Geb, o deus da terra. Muito mais do que solo e poeira, Geb é o alicerce da existência, o pai dos deuses e o juiz dos mortos. Sua história é uma tapeçaria de mitos, símbolos e significados que moldaram a visão egípcia do cosmos.

O Começo de Tudo: Geb e a Ordem Cósmica

Geb nasceu do sopro do ar (Shu) e da umidade primordial (Tefnut), e logo se uniu à sua irmã gêmea, Nut, a abóbada celeste. Mas o amor dos dois era tão intenso que ameaçava fundir céu e terra em um só corpo. Shu, o pai, interveio, separando-os para sempre. Assim nasceu o espaço entre o céu e a terra — o palco da vida.

Deitados em direções opostas, Geb e Nut formam a imagem mais poética da cosmologia egípcia: ele, estendido, fértil e imóvel; ela, arqueada, estrelada e eterna. Dessa separação dolorosa, brotou a criação.

Patriarca dos Deuses

Geb não é apenas terra — é genealogia divina. De sua união com Nut nasceram quatro pilares do panteão egípcio:

  • Osíris, o deus da ressurreição

  • Ísis, a deusa da magia e da maternidade

  • Set, o senhor do caos e das tempestades

  • Néftis, guardiã dos mortos

Essa linhagem não é apenas mitológica — ela é política. Os faraós se diziam “herdeiros de Geb”, legitimando seu poder como direito sagrado. A terra era sua herança, e governá-la, um dever divino.

Terra Viva: Fertilidade, Julgamento e Tremores

Geb é o solo que germina, o campo que floresce. Seu corpo é o berço das colheitas, e seu grito — o grasnar do ganso sagrado — era sinal de cheias férteis do Nilo. Mas ele também é o túmulo: os mortos retornam ao seu corpo, e é ele quem os julga no Salão das Duas Verdades, pesando seus corações contra a pena de Ma’at.

E quando a terra treme? É Geb rindo. Sim, os terremotos eram sua gargalhada — um lembrete de que até os deuses têm senso de humor... ou de justiça.

A Imagem do Invisível

Visualmente, Geb é inconfundível: pele verde ou negra, simbolizando vegetação e solo fértil. Às vezes, deitado com vegetação brotando de seu corpo. Outras, com um ganso na cabeça — seu animal sagrado e hieróglifo de seu nome. Ele segura o cajado e o ankh, símbolos de poder e vida. Uma imagem que mistura força, fertilidade e eternidade.

Um Deus Presente, Mesmo Sem Templo

Curiosamente, Geb não teve templos grandiosos. Sua adoração era mais sutil, mais cotidiana. Estava nos rituais agrícolas, nas orações funerárias, nos textos sagrados. Era invocado para garantir boas colheitas e uma passagem segura para o além. Era o senhor das minas, das pedras preciosas, da riqueza escondida sob os pés.

O Fundamento da Vida e da Morte

Geb é o chão que pisamos, o túmulo que nos acolhe, o pai que nos julga. Ele não brilha como Rá, nem encanta como Ísis, mas sem ele, nada existiria. É o silêncio fértil da terra, o corpo que sustenta o mundo.

Na próxima vez que sentir o chão sob seus pés, lembre-se: você está caminhando sobre um deus.


Por Albino Monteiro