A Discórdia: A Força Oculta por Trás do Caos Romano
A Discórdia: A Força Oculta por Trás do Caos Romano
No vasto panteão romano, onde deuses e deusas governavam os céus e a terra, uma figura sombria e muitas vezes subestimada desempenhava um papel crucial: Discórdia, a personificação do conflito, da desavença e da inimizade. Embora raramente agraciada com templos ou cultos dedicados, sua influência era sentida em cada briga, cada guerra e cada desunião que assolava a sociedade romana.
Identificada com a Éris grega, Discórdia é comumente tida como filha de Noite (Nox), a própria personificação da escuridão e do caos primordial. Essa linhagem infernal não só acentua sua natureza perturbadora, mas também explica a prole que, por vezes, lhe é atribuída: Fome, Trabalho, Esquecimento e Luta – conceitos que nascem e se intensificam no rastro da discórdia. Essa genealogia, mais do que um mero detalhe mitológico, sublinha a percepção romana das consequências devastadoras do conflito.
A presença de Discórdia nos mitos é mais sentida através de suas ações do que de sua adoração. O exemplo mais notório de sua intervenção é, sem dúvida, o episódio da Maçã de Ouro. Não convidada para as núpcias de Peleu e Tétis, Discórdia, em um ato de pura malícia, lançou entre as deusas Hera, Atena e Afrodite uma maçã dourada com a inscrição "À mais bela". Este simples gesto, intencionalmente semeador de discórdia, levou ao infame Julgamento de Páris e, subsequentemente, à Guerra de Troia, um dos maiores conflitos da antiguidade.
Em outras narrativas, Discórdia surge como uma força sutil, mas corrosiva, instigando brigas entre deuses e mortais. Ela não se manifesta com a força bruta de Marte ou Júpiter, mas com a capacidade insidiosa de semear a desconfiança e o rancor, corroendo relações e desmantelando a paz.
Para os romanos, Discórdia não era apenas uma figura mitológica, mas um espelho das tensões e conflitos inerentes à sua própria sociedade. A história de Roma, marcada por inúmeras guerras civis, disputas políticas e revoltas sociais, encontrava na figura da deusa um lembrete constante dos perigos da desunião interna. A personificação da Discórdia era, em essência, uma forma de os romanos darem sentido e explicarem a ocorrência de eventos caóticos e destrutivos, representando a força incontrolável que subverte a ordem e ameaça a estabilidade.
Embora não haja um vasto corpo de representações artísticas dedicadas exclusivamente a ela, Discórdia aparece em obras que retratam os mitos nos quais ela desempenha um papel. Na literatura romana, poetas como Virgílio, em sua "Eneida", e Ovídio, em suas "Metamorfoses", fazem menção à Discórdia, destacando seu papel como instigadora de conflitos, geralmente descrita com características sombrias e ameaçadoras, condizentes com sua natureza.
Em suma, a deusa romana Discórdia, apesar de não ser uma figura central do panteão, desempenha um papel crucial como a personificação do conflito e da inimizade. Sua associação com a Noite, sua prole representativa de desgraças e sua intervenção em eventos como a Guerra de Troia solidificam sua imagem como uma força perturbadora e inevitável. Para os romanos, ela não era apenas uma figura mitológica, mas um espelho das tensões sociais e políticas que moldaram sua própria história. A análise da Discórdia oferece uma valiosa perspectiva sobre como os antigos romanos compreendiam e lidavam com o caos e a desunião em seu mundo.
Por Albino Monteiro