A Deusa Hipopótamo: Tauerete e a Proteção da Maternidade no Antigo Egito

Introdução

No vasto panteão egípcio, repleto de divindades com formas animais e atributos complexos, a figura de Tauerete (também conhecida como Taweret, Taurt, Thoeris ou Toeris) destaca-se como uma das mais singulares e visualmente impactantes. Representada predominantemente como uma fêmea de hipopótamo bípede com seios humanos pendentes, patas de leão e cauda de crocodilo, Tauerete personificava a ferocidade protetora e a benevolência materna. Sua presença, onipresente em amuletos, estatuetas e relevos domésticos, atesta a importância de seu papel na vida cotidiana dos antigos egípcios, especialmente no que tange à maternidade, gravidez e parto. Esta monografia visa explorar a iconografia, o simbolismo e o culto de Tauerete, elucidando sua relevância na religião e sociedade egípcias.

Origens e Iconografia

As raízes de Tauerete podem ser traçadas até o período Pré-Dinástico, com a associação do hipopótamo fêmea à fertilidade e à proteção. A imagem do hipopótamo, um animal poderoso e potencialmente perigoso, mas também conhecido por sua proteção feroz das crias, era ambivalente para os egípcios. Enquanto o hipopótamo macho podia ser visto como uma força destrutiva associada ao caos, a fêmea era reverenciada por sua natureza protetora e sua capacidade de nutrir.

A iconografia de Tauerete é rica em simbolismo:

• Corpo de Hipopótamo: Reflete sua força e conexão com a água, fonte de vida e fertilidade. A protuberância de seu ventre indica gravidez, sublinhando seu papel como deusa da fertilidade e do parto.

• Seios Humanos Pendentes: Enfatizam sua função como nutridora e protetora de crianças.

• Patas de Leão: Simbolizam a ferocidade protetora, uma característica compartilhada com divindades como Sekhmet, que personificavam a força selvagem.

• Cauda de Crocodilo: Remete à sua conexão com o ambiente aquático do Nilo e adiciona um elemento de poder e perigo controlado, canalizado para a proteção.

• Amuletos e Objetos: Tauerete é frequentemente retratada segurando o sa (𓋾), um amuleto que representa proteção, e o ankh (𓋹), símbolo da vida. Em algumas representações, ela empunha uma faca, utilizada para afastar maus espíritos.

Tauerete e a Proteção da Maternidade

O principal domínio de Tauerete era a proteção de mulheres grávidas, parturientes e crianças pequenas. No Antigo Egito, a mortalidade infantil e materna era uma preocupação constante. O processo do parto era perigoso e carregado de incertezas. Acreditava-se que demônios e forças malignas poderiam tentar prejudicar a mãe e o bebê durante esse período vulnerável. Tauerete era invocada para afastar essas entidades nefastas e garantir um parto seguro e bem-sucedido.

Sua presença era sentida em todos os lares egípcios, com a proliferação de:

• Amuletos de Tauerete: Pequenas estatuetas e pingentes de Tauerete eram amplamente usados por mulheres e crianças como talismãs protetores.

• Móveis Domésticos: Imagens de Tauerete adornavam cabeceiras de camas, encostos de cadeiras e outros objetos domésticos, criando um ambiente sagrado e protegido para a família.

• Tigelas de Amamentação: Em algumas tigelas de cerâmica usadas para amamentar ou alimentar bebês, a imagem de Tauerete era gravada para invocar sua proteção durante a alimentação.

Além de proteger contra perigos físicos, Tauerete também era associada à fertilidade e à abundância. As mulheres que desejavam engravidar ou que enfrentavam dificuldades para conceber podiam rezar para Tauerete na esperança de que ela lhes concedesse filhos.

Tauerete no Contexto Religioso e Social

Embora Tauerete não possuísse um grande templo ou um sacerdócio organizado como divindades como Amun-Rá ou Osíris, sua presença era profundamente sentida na religião popular e nas práticas domésticas. Ela era uma deusa acessível e pessoal, invocada diretamente pelos indivíduos em suas necessidades diárias.

A associação de Tauerete com a água também a conectava ao Nilo, a força vital do Egito. A inundação anual do Nilo, essencial para a agricultura e a vida, era vista como um ato de fertilidade divina, e Tauerete, com sua forma de hipopótamo, compartilhava dessa simbologia.

É interessante notar que, embora Tauerete fosse uma deusa de aspecto "feroz", ela era percebida como uma força benigna e protetora. Sua ferocidade era direcionada contra o mal, não contra os seres humanos que ela protegia. Essa dualidade de poder e benevolência a tornava uma figura complexa e atraente para o povo egípcio.

Conclusão

Tauerete, a deusa hipopótamo, personifica a poderosa e benevolente faceta da divindade egípcia, dedicada à salvaguarda da maternidade e da infância. Sua iconografia única, combinando a força do hipopótamo, a ferocidade do leão e a vitalidade do crocodilo com a nutridora figura humana, reflete sua função multifacetada como protetora, doadora de fertilidade e guardiã do lar. Embora não possuísse o culto público de outras grandes divindades, a onipresença de Tauerete em amuletos e objetos domésticos atesta sua profunda ressonância na vida diária dos antigos egípcios. Ela era a deusa a quem as mulheres e famílias recorriam em momentos de vulnerabilidade, buscando conforto e segurança. A duradoura devoção a Tauerete ao longo de milênios sublinha a importância fundamental da família e da continuação da vida na cosmovisão egípcia, solidificando seu lugar como uma das mais amadas e visualmente cativantes divindades do panteão egípcio.